quinta-feira, janeiro 25, 2007

Algures na cidade minguante


Trago em mim
marés na forma de um olhar
e ao perceber isto
(porquê só ao perceber isto?)
tanta coisa se assemelha ao menos com a vida

Sou tão banal sou qualquer pessoa
Desvio as pálpebras para certas montras cosmopolitamente
Nem revisito amigos a quem possa mostrar
que de súbito sou triste essencialmente
e fatídico somo quem não tenha senão esta
forma nem sequer plural sem amanhã

Cerco em assalto as muralhas de mim próprio
Talvez porque me assuste sentir
que fico (sem motivo) célere mas absurdamente demorado
como as horas de angústia ao assumir o real

Trago em mim
entre o que penso visível e o que suponho invisível
uma emoção transbordadamente espontânea
E arquivo o que renego só porque não chego a vivê-lo

Porque ao menos sou triste
como um ângulo qualquer duma noite onde espreita a chuva

António José Coutinho
(Debaixo do Bulcão 7 - Dezembro 1997)

Foto: António Vitorino (Baía do Seixal, algures no final da década de '80)

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