domingo, janeiro 22, 2012


O tempo passa.
A mão reescreve o sentimento de outras mãos num papel amarrotado. O teu olhar solidifica o vazio da minha visão e o meu corpo treme um pouco. Um olhar assim torna-se mecanismo de desilusão.
Como eu gostava ainda de saber escrever-te, o real é como uma máscara e sinto que perdi anos sem fim a preparar uma vida aqui e ali interrompida pela distância.
Acho que cheguei aquele ponto em que desistir ou continuar são o mesmo precepício onde todos os desejos se tornam realidade...

E então a queda.

Vigio ilhas separadas onde habitamos com o riso abafado num murmúrio perdido no espaço. Um mundo existe ainda neste riso vazio de sentimento e evoca uma dança.
Dançaremos talvez um dia no espaço da minha morte. Os gestos desses movimentos mostrar-se-ão com toda a inocência para provocar o desassossego.
Fogem-me as palavras dos bonitos poemas mas a culpa é do sol que ilumina o caminho e assim sei de cór o que me espera no fim.
Porém o tempo passa e tudo se esquece e não foi só por acaso que hoje não falei nenhuma vez da palavra amor.

Sem data,

Vang

Debaixo do Bulcão poezine nº40
Almada, dezembro 2011

crónicas do mundo - a linha do tempo

há quem diga que os dias são todos iguais. talvez num determinado momento assim pareça. quando o sonho anda escondido e a vida se limita ao círculo da rotina dos dias quotidianos. mas não são. nunca foram.

há o dia em que nos pomos de pé. e andamos. e começamos a olhar o mundo olhos nos olhos. o dia em que deixamos de ter sorrisos inocentes. e somos o centro do mundo. do pequeno mundo que é sempre o que nos rodeia. o dia do primeiro dente. do primeiro banho, isolados. em que somos um direito próprio. o dia do primeiro arrufo. da birra dos sentimentos. que rapidamente se instalam e nos tornam diferentes dos outros animais. somos mais perigosos.

o dia dos primeiros passos rumo à escola. na descoberta de outros amigos. outras brincadeiras. o dia do primeiro exame. do nervoso miudinho. da insegurança. do primeiro beijo. que demorou não mais de três segundos, mas que nunca mais acaba. e que por ser o primeiro será sempre o mais perfeito. o dia dos primeiros jogos às escondidas. das corridas atrás das raparigas. da primeira ida ao cinema, ao teatro. da primeira saída. do primeiro pecado. num qualquer canto.

o dia em nos começam a crescer pêlos, onde antes tudo era liso. o dia em que achamos que somos homens quando passamos a fazer a barba. e não queremos. do primeiro concerto. da primeira entrevista de emprego. da descoberta de que afinal não somos todos iguais. e que há uns mais iguais que outros. da primeira namorada. da primeira mulher. o dia em que escrevemos cartas de amor. e as recebemos. depois em que apenas as recebemos ou as escrevemos. e o dia em que nem uma coisa nem outra.

o dia do primeiro filho. o dia em que somos tios e mais tarde avós. e repetimos novamente todos os rituais. o dia do primeiro cabelo branco. da primeira ruga. o dia em que os pêlos vão caindo. e o dia em que são outros que cuidam de nós. tal e qual, como quando éramos crianças. esses, são os dias em que já pouco importa. a não ser se seremos pó ou cinza.

e depois há os dias assim, como hoje. em que falamos dos dias do futuro. que são já passado. porque afinal o presente, não existe. é apenas uma linha imaginária do tempo.

almada, in crónicas do mundo, agosto/2011


a faustino

Debaixo do Bulcão poezine nº40
Almada, dezembro 2011

sexta-feira, janeiro 06, 2012

Sem título


O piano impõe a sua mudez
desafinada
enquanto as horas atropelam,
em serenos sussurros,
a impavidez do corpo.
O teto afunda-se
sob a pele,
aconchegando a dor
em suaves volúpias.
Papel de embrulho
para ruínas biológicas.
Num aceno de coisa nenhuma,
retro escavo até ao osso
em busca da toupeira
que me come a vontade.
Mas logo me canso
e deixo-me ficar a
assistir ao banquete.

F.S. Hill
novembro 2011

Debaixo do Bulcão poezine nº40
Almada, dezembro 2011

O MELHOR AMIGO




Olho-te com carinho
Afago a tua alma
Sinto o cheiro do teu corpo…

Acaricio-te ao de leve
Tatuo o meu sentir na tua pele
Vejo-me nas tuas linhas…

Afasto a solidão
Sonho com o infinito
Encontro a felicidade…

Perco a noção do tempo
Partilho as tuas lembranças
Navego num mar de recordações…

Sinto-me livre só de te olhar
Mais segura e confiante
Aqui ou em qualquer lugar…

Estás sempre a meu lado
Ouves-me com atenção
Sem ti não sei viver…

És o meu melhor amigo
Aquele que nunca me abandona
Em quem posso sempre confiar…

LIVRO é o teu nome
Que pronuncio com prazer
E a quem amarei até morrer.

Minda

Debaixo do Bulcão poezine nº40
Almada, dezembro 2011