sexta-feira, dezembro 28, 2007

Um recorrente convém de plano que se fez.

O desejo
entre dispõe
e languesce
a eternidade
que perpassa
no que têm;
que tinha a ver
que era de ser -


Lutas nos dias
do terror libertam
urros que correm
no movimento servil...


Nrocha07


Debaixo do Bulcão poezine
Número 31 - Almada, Dezembro 2007

“…sobre o Mar”

Escuto aquele silêncio insistente
que num esbater de ondas é quebrado.
E fui sonhar,
relembrar…
A substância misteriosa
escondida naquela harmoniosa
cantiga indefinida
que os homens respiram,
saúdam,
contemplam:
Sois profundo e intenso,
infinitamente enigmático.
Porque em ti todos os segredos
se escondem – Porque os guardas…
Não os desvendas…

É para ele que me dirijo,
se a nostalgia me invadiu.
É para ele que me viro,
se uma inquietação me consumiu:
Sois um fascínio,
somente beleza -
porque existes,
com certeza.
Sois a mistura de um abrigo
entrelaçado infindavelmente
numa força resistente.
Sois vida,
Sois natureza!

Susana Barão

Debaixo do Bulcão poezine
Número 31
Almada, Dezembro 2007

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Despedida

Não te quero
senão porque te quero
e de tanto querer-te
a não querer-te chego
e de esperar-te
quando não te tenho
gela o meu coração
neste inferno.

Quero-te
porque só a ti te quero,
odeio-te sem fim,
e odiando amo-te,

e a ironia deste amor cruel
é não te ver,
e quando te vejo,
amar-te como um cego.

Nesta história só eu morro
e morrerei de amor
porque te quero
e porque te quero
despeço-me, amor, e parto

pois perdi-te e já não te tenho...

Vang
Debaixo do Bulcão poezine
Número 31 - Almada, Dezembro 2007

sábado, dezembro 22, 2007

Kyrie

Em nome dos que choram,
Dos que sofrem,
Dos que acendem na noite o facho da revolta
E que de noite morrem,
Com a esperança nos olhos e arames em volta.
Em nome dos que sonham com palavras
De amor e paz que nunca foram ditas,
Em nome dos que rezam em silêncio
E falam em silêncio
E estendem em silêncio as duas mãos aflitas.
Em nome dos que pedem em segredo
A esmola que os humilha e os destrói
E devoram as lágrimas e o medo
Quando a fome lhes dói.
Em nome dos que dormem ao relento
Numa cama de chuva com lençóis de vento
O sono da miséria, terrível e profundo.
Em nome dos teus filhos que esqueceste,
Filho de Deus que nunca mais nasceste,
Volta outra vez ao mundo!

José Carlos Ary dos Santos
Mais sobre este autor:
www.astormentas.com/din/biografia.asp?autor=Ary+dos+Santos
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ary_dos_Santos

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Receita para parir um bom esquizofrémito

Relacionarmo-nos sexualmente
Com a dor de todas as palavras
De tantas quantas as pessoas
Que outra pessoa possa guardar no seu interior
Abraçar as eternas meias-horas
Que por nós passam e nos trespassam
(O Verbo que se faz Carne
Que se refaz sangue
Que se reduz pó)

Mário Lisboa Duarte
margemdarte.blogspot.com


Tarde

Na inconstância da etérea luz
Do ventre da língua
Ser-se ubiquamente omnisciente
De uma linguagem que se desenvolta
No movimento frenético
Dos múltiplos orgasmos
Seguidos de ternos espasmos violentos

Mário Lisboa Duarte
microbiomegalomano.blogspot.com

em Debaixo do Bulcão poezine
Número 31 - Almada, Dezembro 2007

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Lista de objectos encontrados num acampamento de escravos fugitivos mais o poema encontrado nessa lista

três machetes
três facas com ponta e outra sem ponta
três punhais de tamanho maior com as suas bainhas
um punhal sem cabo e a sua bainha
três punhais sem cabo e sem bainhas
um machado para lenha com cabo
meia arroba de cera cozida pouco mais ou menos
igual quantidade de cera em rama
um baralho de cartas
algumas peças de roupa
um capote com mais de meio uso
uma rede de dormir com mais de meio uso
um pouco de carne
uma frigideira e um pouco de comida
um garrote grande e uma pedra redonda
uma vasilha grande de guira para transportar água
uma cabaça pequena com mel e uma garrafa vazia
um pouco de pólvora
seis chuços que mandei destruir

Alexandre O’Neill (n:19/12/1924 -f: 21/8/1986)
“Dezanove Poemas”
(1983),
em “Poesias Completas”, edição Assírio & Alvim,
Lisboa, Novembro 2000

Mais deste (e sobre este) autor, aqui:
debaixodobulcao.blogspot.com/search/label/Alexandre%20O%27Neill

terça-feira, dezembro 18, 2007

Turbilhão

A escada das memórias
Sobe sempre em caracol
Num rodopio desvairado
Que te empurra e solta
Na manhã submersa da tristeza
Onde vive a chama solitária.
Monstro vivo, algures na Terra
Decapitando os augúrios do Amor
Tenra carne, bendita pele
Morre e sonha e cai tão só
Que a vida não quis que fosse
Um dia mais na clara cor.



Miguel Nuno
wiguelnuno.blogspot.com

em Debaixo do Bulcão poezine
Número 31 - Almada, Dezembro 2007

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Tentativa e erro

quando era criança
tentei enxertar na terra um pessegueiro.
ele não cresceu:
a terra era boa
o que me faltou foi o talento.
não faz mal:
era só um capricho
eu não gosto de pêssegos.

agora que sou adulto
enxerto nesta terra os meus versos.
não sei se vão crescer:
a terra não é boa
mas dizem-me que tenho talento.
não faz mal:
é só um capricho
pelo menos tento.

António Vitorino
(Agosto 2003)
vitorinices.blogspot.com

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Escrita Maldita


Não mais o não
Derrota violenta
Idealista sem palestra
Anarquista amestrado


A fome arrogante da
Revolução silenciosa
Nas mesas recheadas dos
Livres "pensantes"

Não mais
A cabeça entre as pernas
E o corpo dilacerado
Em monossílabos de infância

Nunca mais
As tetas secas
E a permanência na casa
Estupidamente fria

Nunca mais
As viagens do regresso
E Aida sonolenta
Sem a vontade de descobrir mundos
E sonegar maldições

Às avessas, às arrecuas
Avança trémulo, mas confiante
Na mais pequena liberdade permitida

A tudo se permite
A tudo se vende
Em tudo se reflecte
Sem tudo não acha nada
Nada tem a não ser tudo
Com tudo grita
Em tudo se manifesta
A tudo culpabiliza
Contudo
Não consegue nada

Escrita maldita
Maldita escrita
Nascida do pranto seco da alma
Do silêncio dolorido
Arco-íris sem cores

No silêncio mais surdo
Ensurdecedor silêncio
O grito do universo
Em uníssono

Escrita maldita
Maldita escrita


Falta de rima
Falta de fala
Fala desconexa
Ida e volta
Volta e ida
Viagem parada

Não mais o não
Nunca mais o ímpio infortúnio
Do Cristo sangrento


Imagem maldita

Maldita escrita
Escrita maldita


António Boieiro
Debaixo do Bulcão poezine
Número 31 – Almada, Dezembro 2007

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Editorial do Debaixo do Bulcão n.º 31

11 anos com o Debaixo do Bulcão!

Em Dezembro de 1996, foi distribuído o número zero deste poezine que tem publicado os trabalhos de dezenas de autores, na sua maioria oriundos da cidade de Almada.

Ao longo de mais de uma década, centenas de textos passaram pelas mãos do António Vitorino que, sem favor ou selecção, os imprimiu, recortou, colou e encontrou maneira de conseguir umas quantas resmas de papel e uma fotocopiadora, um exemplo de altruísmo cultural. O Debaixo do Bulcão não gere lucros, nem paga a ninguém. Todos os seus autores contribuem voluntariamente para a sua composição. O Debaixo do Bulcão é distribuído mão na mão e dá a oportunidade de ler novos autores, na sua maioria não publicados, a todos a quem calha recebê-lo.

Manufacturado e paginado por carolice e vontade de ajudar, a tudo tem sobrevivido, mantendo-se válidos os seus objectivos primordiais, os de difundir a poesia e literatura moderna de Almada e o de dar visibilidade a uma série de autores que assim partilham os seus textos de forma livre de imposições contratuais, colocando-se voluntariamente à margem de esquemas comerciais de produção literária e afins.

É caseiro, o Bulcão.

Miguel Nuno

sexta-feira, novembro 30, 2007

Em breve, na tua mão!


Já está em maquete, o número comemorativo do 11º aniversário do Debaixo do Bulcão, com 24 páginas, ilustração e paginação de MNG2010 e com a participação de António Dâmaso, Luís Milheiro, Mário Lisboa Duarte, Nélson Ngungu Rossano, Alexandre Castanheira, Madalena Barranco, Joana Fernandes, Susana Barão, Marta Tavares, Miguel Nuno, B. B. Passion, Minda, Vang, Nrocha, António Vitorino, Jorge Feliciano e António Boieiro.

segunda-feira, novembro 26, 2007

Diamante lapidado

Escrevo, porque não consigo ver-te,
a proliferação da inércia,
não me permite confabular.

És um diamante lapidado,
és um ser precioso que encanta
e é encantado,
revelas no oculto a subtileza altiva,
deixas-me permanecer na ilusão.

Diamante provoca a perdição,
porém ofuscas-me com artes enigmáticas
deixando-me com esta angústia excruciante,
em virtude de não te ter.

És um diamante cobiçado,
uma jóia não rara, mas eterna.
Jóia ingénua que obliquamente
me faz permanecer na quimera
do tormento silente.

Diamante, pedra tão bela...
confere-nos o poder absoluto instantâneo,
faz-nos fantasiar com um mundo
para além do paraíso celeste,
permite-nos viver perfidamente
no sonho da realidade em simultâneo.

O seu brilho abraça-nos infatigavelmente,
deixando-nos inexoravelmente extasiados,
com a sua dominação sedutora.

Nelson Ngungu Rossano

caminhodosversos.blogspot.com

sexta-feira, novembro 23, 2007

Salteador de Intervalos



Vivo salteando os intervalos,
pelas marés cheias do ser,
montando meus cavalos,
sentindo meus resvalos,
beijando rainhas
das elites do prazer.

Assumo o meu destino
como se ele o fosse...
e à minha escolha
como a um caminho.
Se aceito viver sozinho
e embriagado de emoção,
amem-me;
o Amor do meu vinho é farto
e servido em cálices
pelo chão!

E quando um intervalo finda,
parecendo que não...
eu sou lúcido ainda!

Rui Diniz

www.cortedelrei.blogspot.com

quinta-feira, novembro 22, 2007

Que bom que é poder escrever



Para muitos, a felicidade tem a forma de uma mulher
Para mim, a felicidade é poder escrever.

A poesia não é um cigarro que suga-se e deita-se fora
A poesia não é um carro que avaria a toda a hora.

A escrita é o culminar de pensamentos
A viagem para um mundo sem tormentos.

A poesia chama por mim como o íman atrai o ferro
Debruço-me sobre a caneta...e o resultado é o que escrevo

Eu escrevo porque sonho e sonho porque desejo
Tirem-me tudo! Mas jamais tirem-me o que escrevo.


Didier Ferreira
(em Index Poesis – colectânea de poesia
organizada por Ermelinda Toscano)

Mais poemas deste autor
no blogue
Eu sou...

segunda-feira, novembro 19, 2007

A insustentável sustentação

A insustentável sustentação é mecanismo perfeito que toca e esvai em propagação. Impressão impossível das rotas que vão cintilando ; marcando na emoção.

Nuno Rocha
(foto: Leo Vieira)

sexta-feira, novembro 16, 2007

Homenagem a Romeu Correia

Romeu Correia foi um dos mais importantes escritores almadenses e, sem dúvida, o mais prestigiado e reconhecido criador literário deste concelho.
Comemorando os 90 anos do seu nascimento, duas associações (O Farol e ARPIFC), em colaboração com a Junta de Freguesia de Cacilhas vão, este sábado, homenagear o escritor com a deposição de um ramo de flores «na casa onde nasceu, na Rua Elias Garcia, em Cacilhas. Em seguida, será inaugurada uma exposição colectiva na sede da ARPIFC (Associação de Reformados, Pensionistas e Idosos da Freguesia de Cacilhas), situada na mesma rua».
Os eventos têm início às 15h30.

Romeu Correia
1917: A 17 de Novembro Romeu Correia nasce em Cacilhas, burgo vizinho a Almada, cidade na margem esquerda do Tejo, frente a Lisboa. - 1941: Casa com Almerinda. - 1943: No Grupo Desportivo da LISGÁS (Lisboa) pratica boxe amador. Com um grupo de democratas, cria a Biblioteca Popular da Academia Almadense e reanima a da Incrível Almadense; em ambas as colectividades organiza recitais e conferências. - 1947: Estreia-se na literatura com Sábado sem Sol, livro de contos, cuja edição virá a ser parcialmente apreendida pela PIDE. - 1948: Trapo Azul, romance. - 1950: Calamento, romance. - 1952: Gandaia, romance. - 1953: Casaco de Fogo, teatro. - 1955: Desporto-Rei, romance. Isaura, romance. - 1957: Sol na Floresta, teatro. - 1961: Bonecos de Luz, romance. - 1962: O Vagabundo das Mãos de Oiro, peça teatral que recebe o “Prémio da Crítica”. No mesmo ano também recebe o “Prémio Casa da Imprensa”. - 1963: No Pavilhão dos Desportos, em Lisboa, participa num torneio de boxe amador. - 1965: Bocage, teatro. - 1975: Recebe, pela segunda vez, o “Prémio Casa da Imprensa”. - 1976: Recebe o “Prémio Ricardo Malheiros” pelo livro de contos Um Passo em Frente. - 1980: Grito no Outono, teatro. - 1982: O Tritão, romance. Tempos Difíceis, teatro. - 1983: O Andarilho das Sete Partidas, teatro. - 1984: Recebe o “Prémio de Teatro 25 de Abril”, atribuído pela Associação Portuguesa de Críticos de Teatro. - 1989: Cais do Ginjal, novela. - 1995: A Palmatória, teatro. - 1996: Em Almada, Romeu Correia morre a 12 de Junho.

Nota biográfica publicada no site Vidas Lusófonas. Encontram também uma entrevista com o autor, no mesmo site, clicando em:
www.vidaslusofonas.pt/romeu_correia.htm


Mais sobre Romeu Correia:

Texto de Alexandre Flores, reproduzido no blogue Almada Cultural (por extenso)
almada-cultural2.blogspot.com/2007/10/romeu-correia.html

Textos de Luís Milheiro, presidente da Sociedade Cultural de Artes e Letras de Almada (SCALA), publicados no blogue Casario do Ginjal
casariodoginjal.blogspot.com/search/label/Romeu%20Correia

quinta-feira, novembro 15, 2007

Debaixo do Bulcão 31

Agora sim, última chamada: terça-feira, dia 20 de Novembro. A partir daí temos de avançar com a paginação pelo que será muito difícil incluir mais algum texto. Apelamos a todos que nos enviem os vossos textos para debaixodobulcão@netcabo.pt

Até breve!

sexta-feira, novembro 09, 2007

Debaixo do Bulcão 31: última chamada!

Estamos a preparar a edição de Dezembro do poezine Debaixo do Bulcão (versão impressa, número trinta e um). Se quiserem participar, ainda estão a tempo. Mas apressem-se: enviem os vossos textos para debaixodobulcao@netcabo.pt - até ao próximo domingo, 11 de Novembro.

Palpitações


Corro por caminhos e estradas de mau-olhado e encantamento,
Vivo da criação, da ficção, da alucinação, do absurdo e da obra!
No limiar da loucura, talvez te despose amanhã.
Há dias que não quero nada, outros que aceito tudo!
Anseio sorver a vida para dentro de mim e agarrar o nada e o todo.
Sinto o murmúrio do vento que não sopra,
Sangro por dentro nos dias gélidos do Outono,
Vivo a fantasia e o desvario...


Mundo Imperfeito
(poema e foto deste blogue:

terça-feira, novembro 06, 2007

Soneto da separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.


Vinicius de Moraes

(Mais poemas de Vinicius em
www.revista.agulha.nom.br/vm2.html)

Imagem: foto de António Vitorino, numa página do programa da primeira temporada do Grupo de Dança de Almada, em 1991. Vejam o website da actual Companhia de Dança de Almada – que, a propósito, está a organizar a 15ª edição da Quinzena da Dança de Almada – clicando em:
www.cdanca-almada.pt/pt/index.htm

domingo, novembro 04, 2007

O erro do oitavo dia

depois da criação
o cansaço
ou a saturação
ou a satisfação genesíaca
tomaram conta de Deus

ao que parece esse foi o seu único erro:
esqueceu-se dos acertos
das correcções
das adaptações
e lançou o protótipo no mercado -
versão Homo Simius 0.1

(não se conhecem versões posteriores)


inominável

pontodesaturacao.blogspot.com

Saudade

à memória de meu amigo Barros que foi e nunca se pronunciou

1
Oh! Como eu gostava de voltar à Realidade...
Tanto que eu gostava de voltar à Realidade...
- Mas como?! – Não tenho meio de transporte!
Tanto que eu gostava de visitar a campa de um tijolo,
meu amigo,
sepultado lá... na realidade!
Mas não posso, não tenho meio de transporte!

Era um bom tijolo. Chamava-se Barros,
era banco e mesa na minha pequena casa.
Um dia convidei Deus para jantar na minha pequena casa,
Barros não aguentou com a divindade e, desfez-se em pedaços
no coração da minha pequena casa.
Por isto, o sepultámos na Realidade...

2
-Não! Ninguém voltará!
Diz uma lei qualquer da “Constituição da Natureza”.
- Mas eu sou real, nasci lá!
- Real sou eu!
responde-me o rei, e eu pergunto:
- Quem mais ama a pátria que o Exilado?
e o Sol responde. O Sol responde a tudo.
É o maior amigo que tenho aqui onde estou,
no Mundo em que as estrelas do mundo real
são os candeeiros duma cidade.


João Rato
reidosleittoes.blogspot.com

quarta-feira, outubro 31, 2007

Marquesa de Alorna: um soneto e duas notas biográficas

Esperanças de um vão contentamento,
por meu mal tantos anos conservadas,
é tempo de perder-vos, já que ousadas
abusastes de um longo sofrimento.

Fugi; cá ficará meu pensamento
meditando nas horas malogradas,
e das tristes, presentes e passadas,
farei para as futuras argumento.

Já não me iludirá um doce engano,
que trocarei ligeiras fantasia
sem pesadas razões do desengano.

E tu, sacra Virtude, que anuncias,
a quem te logra, o gosto soberano,
vem dominar o resto dos meus dias.


Marquesa de Alorna
(Lisboa, 31 Outubro 1750 - Lisboa, 11 Outubro, 1839)

Escritora portuguesa.
Leonor de Almeida Lorena e Lencastre, 4.ª marquesa de Alorna, é uma das mais notáveis vozes do pré-romantismo em Portugal. Neta, por parte da mãe, dos marqueses de Távora, executados pela justiça do marquês de Pombal devido ao seu envolvimento numa conspiração contra o rei D. José I, é, em 1758, enclausurada no Convento de Chelas, de onde é libertada dezanove anos depois, em 1777, após a queda política do marquês. No entanto, a sua prolongada reclusão é o principal motivo para a esmerada formação literária e científica que recebe. Leituras de Rousseau, Voltaire, da Enciclopédia de Diderot e d'Alembert, abrem o seu espírito vivo e inquieto às ideias do iluminismo francês.
Casa com o conde de Ovenhausen, oficial alemão que viaja pela Europa, do qual fica viúva aos 43 anos. Apesar das dificuldades económicas que a viuvez lhe acarreta, a sua residência transforma-se num foco de ebulição cultural, onde se debatem as novas ideias políticas e também as novas correntes estéticas e literárias.
Bocage e Alexandre Herculano, em períodos diferentes, são dois dos frequentadores do seu salão. Sob o nome árcade de Alcipe trabalha em traduções do latim (a Arte Poética, de Horácio, por exemplo), do alemão (textos de Christoph Wieland), do inglês (o Ensaio sobre a Crítica, de Alexander Pope) e do francês (textos de Lamartine), cultiva a epistolografia (Cartas a Uma Filha Que Vai Casar) e escreve poesia.
Recreações Botânicas, poema em seis cantos dedicado às «Senhoras Portuguesas», prenuncia já o sentimentalismo romântico que avassalará a literatura anos mais tarde. A sua poesia está reunida nos seis volumes das Obras Poéticas da Marquesa de Alorna (1844).

(Informação do site Vidas Lusófonas:
www.vidaslusofonas.pt/marquesa_de_alorna.htm)

Em “Gente de Letras com vínculo a Almada”, refere-se a ligação da poetisa a esta cidade, nos seguintes termos:

A família possuía em Almada, na então Rua Direita (hoje Capitão Leitão), o Palácio de Fronteira, onde Alcipe vinha passar longas temporadas, após a queda do Marquês de Pombal. Muito esmoler, em Almada ficou conhecida por “Mãe dos Pobres” segundo o escritor Mário Domingues, manteve em Almada um «rancho de raparigas (...) pagando a uma mestra para lhes ensinar literatura, escrita, costura e outras prendas próprias do seu sexo»

(“Gente de Letras com Vínculo a Almada”, de Vítor Aparício, Diamantino Lourenço, Luís Alves Milheiro, Abrantes Raposo e Artur Vaz; edição SCALA, 2004)

terça-feira, outubro 30, 2007

Alma (da)

Passei hoje na cidade do costume com outros olhos. Na minha cidade.
Olhos de ver. Parei. Hoje vi a minha cidade. Pus-me com olhos de ver
na cidade que levo no coração para todo o lado. No coração. A minha
cidade, que tem alma e que pisca o olho a Lisboa.
Sentei-me no chão das estórias da história que passou por ali.
Estórias que pintaram a Alma das cores que cheiram a Tejo. E sonhei.
Acordou-me a inveja da miuda que saltava à corda na rua. Saltava à
corda, com a alma cheia de sorrisos despreocupados. Ia ficar ali todas
as horas do mundo porque não sabia ver horas. E só tinha as horas
todas do mundo. Todas as horas do mundo para ela, naquela cidade de
ruas estreitas. Todas as horas do mundo para saltar à corda.
As luzes acenderam-se e a noite foi trazendo o vento. Vim ver a rua
e senti saudades. Saudades de quando um choro gritado era imperativo
e panaceia, porque alguém resolvia que o fosse ali, logo. Saudades do
beijinho da mãe, que fazia a dor passar.
Saudades da boca lambuzada de chocolates e gelado. Saudades de não
saber ver as horas. Saudades repetidas.
E de mais gelados e de mais chocolate. Saudades de brincar, na
calçada, onde esfolava os joelhos, até não haver sol. Saudades dos
amigos imaginários com quem nunca mais falei. Saudades de mim antes
de ser este eu de agora.
Saudades de me encontrar, perdida na minha minha Almada. Que tem
cheiro de poesia e de coisas a que os miúdos pequenos brincam.
Melancolia esquisita, de quem vai embora mas fica sempre, sempre, com
uma fotografia bem dobrada dentro do peito.


Joana Fernandes

parvoicesminhas.blogspot.com

(“Texto Palmadense”
publicado na P’almada, revista editada pela Câmara Municipal de Almada.
Edição de Novembro 2007)

quinta-feira, outubro 25, 2007

Sugestões para o fim de semana

Dança contemporânea de Angola no DocLisboa

"Outras Frases", documentário de Jorge António sobre a Companhia de Dança Contemporânea de Angola, passa na sexta-feira, dia 26, às 23h00, no Grande Auditório da Culturgest.
«Através da pesquisa e reinterpretação de elementos tradicionais, a coreógrafa e bailarina angolana Ana Clara Guerra Marques tem procurado, ao longo dos últimos vinte anos, criar novas estéticas e linguagens para o desenvolvimento de uma dança contemporânea angolana. Jorge António, que foi produtor executivo da Companhia de Dança Contemporânea de Angola entre 1995 e 1999, mostra-nos em "Outras Frases" o trabalho artístico e pedagógico da bailarina, tendo como pano de fundo a história política e social de Angola.»

Programa do DocLisboa:

Dança contemporânea de Almada

Também na sexta-feira, a Companhia de Dança de Almada apresenta a 15ª edição da Quinzena da Dança. Vai ser às 21h30, na Fnac (Almada Fórum), «antecipando excertos de espectáculos e vídeo-dança, numa noite que dedicamos a todos quantos nos
acompanharam nestes anos de edições»
.


Mais informações em:


Encontro de escritores em Torres Vedras

Ainda este fim de semana (26 e 27), realiza-se o primeiro Encontro de Escritores de Torres Vedras.



Encontram o programa detalhado deste evento no blogue Almada Cultural:

sábado, outubro 20, 2007

Debaixo do Bulcão: nova edição em Dezembro!

(ilustração de Sturrefsit Adjukaatrix, para Debaixo do Bulcão poezine número 4 – Julho 1997)

Estamos a preparar a edição 31 do Debaixo do Bulcão poezine, e contamos com a vossa colaboração.
Enviem-nos os vossos textos, até 10 de Novembro, para

debaixodobulcao@netcabo.pt

Debaixo do Bulcão é um fanzine de poesia (formato “A4 dobrado ao meio”), impresso em fotocópia (como um fanzine que se preze, não é?) e distribuido gratuitamente, em diversos da cidade de Almada.

Condições de participação?
Publicamos textos de poesia ou prosa, sem selecção prévia. O que significa que podem escrever sobre o que muito bem entenderem, com a qualidade que será sempre a que vocês próprios considerarem (descansem, que nós não somos “críticos literários”), no formato que vos der mais gozo, ou mais jeito....
Impomos, apenas, duas condições para publicação:
1 - Que os textos não ocupem mais que o equivalente a uma página em formato A4, escrita em Times New Roman, corpo 12 . É que não temos folhas de papel em quantidade suficiente para imprimir tudo o que nos apeteça... (Nota: isto são “valores aproximados”. Se o texto tiver um bocadinho mais do que isso, ou se não for nesse tipo de letra, também podemos aceitar, desde que tenhamos espaço.)
2 - Por favor, não nos apareçam com ideias racistas, xenófobas ou fascizóides. Este não é, de todo, o local adequado para esse tipo de coisas.

quinta-feira, outubro 18, 2007

Romeu Correia: vida e obra (1917 – 1996)


A propósito de uma exposição sobre o escritor almadense Romeu Correia (patente ao público no Arquivo Histórico da cidade, até 30 de Novembro), aqui ficam algumas palavras do próprio...


Romeu Correia conversando
com Fernando Correia da Silva
(excertos de uma entrevista
publicada no site Vidas Lusófonas)

- No Sábado Sem Sol fiz análise e crítica de costumes. No Trapo Azul fixei reflexos do quotidiano. - A costureirinha violada pelo patrão, não é?
- Isso! Baseei-me num caso real, que bem conheço.
- E os outros livros?
- No Calamento fiz caracterologia moral e psicológica. Na Gandaia abordei problemas da infância e da adolescência e também reflexos do quotidiano. No Desporto-Rei foquei um processo social em curso.
- O futebol a alienar o povo, não é?
- Exactamente! No Casaco de Fogo, na Isaura e no Sol na Floresta estudei problemas da mulher. Um escritor vai deixando na sua obra, numa construção voluntariosa e difícil, a sua visão da vida, a sua compreensão dos homens e da sociedade em que vive. Não escreve tratados de teoria literária, ou estética, ou política, ou sociológica. Nos meus livros - e nas minhas peças - tenho desejado fixar pedaços da vida e a minha grande alegria é que há pessoas que os têm achado quentes e prementes da vida real que me inspirou e eu quis servir.
- E onde é que escreves? Em casa?
- Em casa e fora de casa. Olha, em Lisboa, passo horas a escrever no BOM, um Café que fica ali na esquina da Betesga com o Poço do Borratem. Conheces?
- Sim, conheço, já te vi por lá algumas vezes. Diz-me uma coisa: acabaste de publicar Bonecos de Luz. É um romance sobre o Chaplin, não é?
- De homenagem ao Chaplin.
- E o que é que estás a escrever agora?
- Uma peça.
- Como é que se chama ou vai chamar-se?
- O Vagabundo das Mãos de Oiro.


Texto completo em
www.vidaslusofonas.pt/romeu_correia.htm

terça-feira, outubro 16, 2007

Adriano Correia de Oliveira

(9 de Abril 1942 – 16 Outubro 1982)



A Trova do Vento que Passa.
Poema de Manuel Alegre, imortalizado nesta balada coimbrã,
por Adriano Correia de Oliveira.

A propósito, o poema que deu origem a este “fado de Coimbra” está em:
www.instituto-camoes.pt/cvc/poemasemana/05/01.html


Mais sobre Adriano Correia de Oliveira:
Biografia, na Wikipédia
www.cantaremosadriano.blogspot.com

sábado, outubro 13, 2007

De sal e bruma




Só eu fiquei
aqui parada
na noite agreste
desesperada.

Só eu fiquei
de pedra e mar
com este búzio
no meu olhar.

Só eu fiquei
de sal e bruma
com este canto
feito de espuma.

Feito de espuma
feito de nada.
sou a criança
inconsolada.



Maria Rosa Colaço


(em "Alma(da) Nossa Terra",
colectânea de poesia organizada por Ermelinda Toscano.
Edição SCALA. Almada, Março de 2006)



Maria Rosa Colaço
(N. Torrão, Alcácer do Sal, 19/09/1935 - f. Lisboa, 13/10/2004):
Maria Rosa Parreira Colaço Malaquias de Lemos formou-se em enfermagem pelo Instituto Rockfeller. Tirou posteriormente o curso de Magisté­rio Público. Em 1959 foi colocada como professora numa escola primária de Cacilhas, passando a residir em Almada, inserindo-se de imediato na vida cultural da vila, com destaque para a tertúlia artística do Dra­gão Vermelho, que realizou em 1960 a 1a Exposição de Poesia Ilustrada, da qual fez parte. Dois anos de­pois partiu para Moçambique onde leccionou durante cerca de dezasseis anos e exerceu em simultâneo a actividade jornalística nos seguintes jornais: Notícias da Beira, Notícias de Lourenço Marques e Voz de Mo­çambique. Em 1977 regressou à nossa cidade, dei­xando novamente a sua marca nos meios culturais e associativos de Almada. Colaborou com alguns escri­tores galegos, na Universidade de Vigo. Foi assessora da RTP, no Departamento de Textos e Criação Literá­ria, e colaboradora da revista Máxima e dos Diário de Notícias, Diário Popular e A Capital, onde mante­ve uma crónica semanal no jornal, durante vários anos. A Antologia A Criança e a Vida, um best-sellers que já atingiu a 40.â edição, projectou-a a nível nacio­nal e internacional, apesar da primeira edição ter sido destruída pela PIDE; foi traduzida em francês, catalão e inglês; foi tema para um bailado numa universida­de, no Brasil, e tese de doutoramento de uma profes­sora, em Cuba. Como poetisa viu os seus poemas serem gravados pêlos Trovante, Coro de Santo Amaro de Oeiras, Paulo de Carvalho, Luisa Basto, João Fer­nando, Samuel e Sérgio Godinho, entre outros. De­tentora de vários prémios literários, em 1994 recebeu a Medalha de Ouro de Mérito Cultural, da Câmara Municipal de Almada. Na sua terra natal existe uma rua com o seu nome e na Quinta da Alembrança, Feijó, é patrona da escola primária local

Fonte: "Gente de Letras com Vínculo a Almada", edição SCALA. Almada, Dezembro de 2004
Fotos da autora retiradas do blogue

sexta-feira, outubro 12, 2007

Novo livro de Bernardes-Silva (e um poema do autor, só para "abrir o apetite...")

Poesia Sonetada

é o título do novo livro do escritor Francisco Nogueira Bernardes-Silva.

A sessão de lançamento está agendada para este sábado, dia 13, às cinco e meia da tarde, na Sala Pablo Neruda, do Fórum Municipal Romeu Correia, em Almada.




Então, considerem-se todos convidados a aparecer por lá!




Para que voltes em breve


Mulher que de repente foste embora,
levada a longes terras pela Vida,
que esta te seja leve, divertida,
enquanto aqui meu corpo por ti chora.

Se acaso tu puderes em qualquer hora
voltar a ser só tu, desinibida,
recorda tudo o que antes da partida
tiveste deste poeta que te adora.

E, caso possas crer que, de entre tantos,
este é o sofrimento em que esmoreço
e rói o que é em mim vitalidade,

apela a teus demónios, a teus santos,
e faz com que eles ordenem teu regresso
tão breve quanto é longa esta saudade!

F. N. Bernardes-Silva


Francisco Nogueira Bernardes-Silva nasceu em Lisboa, na freguesia de S. Jorge de Arroios, em 1930 e vive, actualmente, na Charneca de Caparica. Costuma dizer que, como uma desgraça nunca vem só, tinha de nascer no dia em que Camões morreu (10 de Junho).
Em 1957 concluiu o curso de Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico (Lisboa) e exerceu a profissão sempre na indústria transportadora, desde a metalomecânica ligeira à fabricação de pneus. Foi emigrado em Moçambique e Angola durante cerca de 20 anos. Apresentou um total de quatro comunicações em congressos de engenharia.
Dedica-se à poesia desde a pré-adolescência, mas somente em 1991 foi publicado o seu primeiro livro: Poesia Extravasada (ed. Helver).
Tem colaborado activamente no projecto cultural Poetas Almadenses desde o seu início, participando com regularidade nas sessões de “Poesia Vadia” do Café com Letras, depois café Sabor & Art, em Cacilhas, também já, lamentavelmente, encerrado.Publicou o caderno Uma Dúzia de Páginas de Poesia n.º 8. É citado na antologia Alma(da) Nossa Terra e participa na colectânea poética Index Poesis, ambas organizadas por Ermelinda Toscano.

quarta-feira, outubro 10, 2007

Dois poemas de Cabo Verde (revista Raizes, 1977)

Como eras

A quem não disse


Eras como os brincados
que fazia
na praia da minha enseada

Eras como meu delírio
dar ao vento papagaio
todo feito de papel

Eras como a cana
a linha
o anzol
nas tarde d’outrora

Eras como o que sonhava
quando só o mar sorria
aos sorrisos dos meus lábios

Eras como ontem do meu hoje
que trazia como te trago
no fundo-ser vivificado
morno povoado de casas simples.


Tacalhe




Empresários


máquinas cortando atalhos
rasgando tubos
troncos caindo ao som dos galhos
cobrindo áreas
barracos com pernas mansas
pelos ares

balseiros carregando planos
virando areia
represa fácil de água muita
comendo terras
em presa moto no tronco grosso
vencendo serras

empresários tomam mares de whisky
bem frios calados estouram lares
para o gado engordar
empresam rios
na cidade a carne humana
pele e osso


Clodomir Monteiro



Poesia de um tempo em que não se publicava mais “por falta de papel”!...

Estes poemas estão incluídos na edição número 2 da revista “Raizes”, publicada em Abril de 1977, na Cidade da Praia, pela Imprensa Nacional (de Cabo Verde, obviamente).
Por se tratar do único número que possuo desta revista, não posso adiantar muita informação. O que sei, e vos transmito, é o que está na ficha técnica da publicação:
Director, Arnaldo França; Administrador, Orlando Mascarenhas; textos de Dulce Almada Duarte, H. de Santa Rita Vieira (ensaios); Teixeira de Sousa, Maria Margarida Mascarenhas, Arménio Vieira (prosa de ficção); Jorge Barbosa, Oliveira Barros, Ovídio Martins, Jorge Carlos Fonseca, Arménio Vieira, Tacalhe, Helder Proença, Clodomir Monteiro, Luis Romano (poesia); Félix Monteiro, Osvaldo Osório, Arménio Vieira (crítica).

Interessante é também o editorial (não assinado):
«Não cumprida a promessa de periodicidade trimestral logo ao segundo número, sentimo-nos, porém, compensados de quantas frustrações passadas por não terem sido nem a falta de resposta dos intelectuais caboverdeanos ao nosso apelo nem a ausência de leitores que, ao contrário, obrigaram ao aumento da tiragem, os responsáveis por esta demora. Razões de natureza técnica assentes principalmente na extrema dificuldade de obtenção de papel, adiaram o aparecimento deste número.
(...)
Esperamos que os leitores e colaboradores compreendam as dificuldades inevitáveis com que lutamos e de que o aspecto gráfico destes números é tão significativo testemunho, mas que a breve trecho procuraremos superar.»

terça-feira, outubro 09, 2007

Citações de um coração

Desde o dia que eu nasci, acordo;
e vejo-me dentro de um milagre:
Sei, que só o deixarei de o ver,
Um dia quando morrer.
Deixo a todos as minhas poesias,
e a sublime paixão de escrever
que vivo todos os dias.

Deixo-vos a dor referencial,
para que o bem seja notado.
Deixo-vos o sofrimento,no fundo de uma tela,
aquela, que nos leva à perseverança:
alerta-nos e adverte-nos neste mundo,
de todos os males de consciência.
Sem ela, nunca conheceriamos a complacência.

Deixo-vos a beleza,
alegria e a fragrância da natureza.
o conhecimento e a vitalidade
e o alcance da plena consciência…
e o enxergo dos olhos e da alma de realidade
que se encontra escondida para trás a aparência
e que materializa os nossos pensamentos;
com interesses, egoísmo e toda a descrença,
a pior forma, e a mais adversa!

E nunca se esqueçam, que para se receber,
Primeiro é preciso dar e saber atrair,
em seguida saber irradiar…
Deixo-vos a tristeza,
Para que a vossa alegria seja apreciada.
E a carência vos ofereça a abundância,
Para que a vossa vida tenha significado.


Pedro Alves Fernandes


(Mais poemas deste autor
no blogue Pintura Astral)

sábado, outubro 06, 2007

Metropolitano mortal

Uma enorme bota preta pisou-me imperativamente o dedo pequeno do pé. Um cotovelo bicudo como uma espada atingiu-me sadicamente a cintura. Um queixo borbulhosamente oleoso atirou-se contra a minha nuca. Os meus cabelos embaraçaram-se ofendidos enquanto um nariz perdido lutava para fugir daqueles fios compridos que o prendiam. Senti um punhado de cabelos ser arrancado brutalmente do meu couro cabeludo. Um joelho enfadonho empurrou-me neuroticamente para a frente e o meu nariz esborrachou-se rapidamente contra um sovaco grande e fedorento enquanto o meu corpo era comprimido entre um esqueleto pontiagudo e um monte de carne tenra.
Estava no METRO!
O comboio arrancou suavemente permitindo que o meu corpo deslizasse bizarramente junto com os outros. Roguei pragas. Fechei os olhos para os abrir logo de seguida quando um pingo morno e sujo, que deslizava como um patim ao longo do sovaco grande, veio pousar na ponta do meu nariz. Era um abuso. Que direito tinha aquele pingo desconhecido de repousar na ponta do meu nariz sem sequer pedir autorização? Resolvi, pois, impor a minha indignação e abanei a cabeça como fazem os cães quando se sacodem da água.
O pingo levantou voo do meu nariz escolhendo como poiso um lóbulo preto de uma orelha que estava a um metro de distância. Os olhos flamejantes do dono da orelha pousaram em mim. Deitaram-me faíscas amarelas que paralizaram os meus olhos e fizeram tremer as minhas pernas. A boca que pertencia àqueles olhos arfava e babava-se à medida que um polegar onde se viam ácaros esmagava contra um indicador o fatídico pingo. Foi o fim deste.
Quanto ao assassino do pingo, começou a mexer-se na minha direcção. Tentei sair dali mas o máximo que consegui foi enterrar-me ainda mais na carne tenra que estava atrás de mim. As portas da carruagem abriram-se e o assassino do pingo deitou-me um sorriso e desapareceu. Mas não sozinho. Também o esqueleto pontiagudo, a carne tenra e o sovaco grande desapareceram.
Os meus olhos rasgaram um lugar. Corri. Sentei-me. O lugar estava quente. À minha frente um bébé rebentava as cordas vocais à medida que as suas bochechas se iam colorindo de um vermelho púrpura salpicado de pintas verdes escuras. A um canto uma mulher com pelos na cara coça uma verruga na testa. Um espirro barulhento chamou a atenção dos meus tímpanos: duas crianças debatiam-se por causa de um punhado de cabelos que devia ter pertencido a alguém. Enfim, reconheci aquele punhado de cabelos. Junto à porta um rapaz careca mas de peito pelado como um macaco mastigava impiedosamente uma pastilha ao mesmo tempo que fazia balões quadrados que se iam rebentando uns após os outros.
Atónita com o cenário, achei melhor sair.
As portas abriram-se mais uma vez e uma bota da tropa correu na direcção das minhas solas e estendeu-me ao comprido no chão. Ouvi o comboio ir-se embora levando o rapaz dos balões, o bébé, as crianças e a velha da verruga e, quando levantei a cabeça e olhei em volta, um puto encostado à parede ria-se de mim.
A minha cabeça caiu. Senti as pálpebras fecharem-se-me e o sangue a abanar-me furiosamente as veias. Tentei levantar-me e não consegui. O meu corpo estremeceu como um sismo e um grande espasmo fez saltar o meu coração vermelho cá para fora.
O resto não me lembro.





Sofia Anjos
Debaixo do Bulcão poezine
Número 5 - Almada, Setembro 1997

(Ilustração: Luísa Trindade)

quarta-feira, setembro 26, 2007

Alexandre O'Neill, esse propagandista!



O poeta Alexandre O'Neill sabia muito bem que poesia não enche a barriga. Por isso, a sua principal actividade (a que lhe dava dinheiro) era a criação publicitária. Só que, às vezes, as "liberdades poéticas" não compensavam, nem mesmo nesse mundo da publicidade.
Neste caso, temos uma frase (um "slogan" publicitário), elaborada para o Metropolitano de Lisboa... mas recusada pela empresa (vá-se lá saber porquê!...).
Agora, nesta época de grafitis, alguém se lembrou de a recuperar, e de a colocar no devido local, digamos assim.
(Imagem retirada do blogue O Nadir dos Tempos)

Vejam também, e a propósito, um site sobre o metropolitano de São Paulo. Como está em português do Brasil, só se podia chamar...
Guia Vá de Metrô

Poesia e propaganda

Hei-de mandar arrastar com muito orgulho,
Pelo pequeno avião da propaganda
E no céu inocente de Lisboa,
Um dos meus versos, um dos meus
Mais sonoros e compridos versos:

E será um verso de amor...

Alexandre O’Neill

Mais poemas de Alexandre O’ Neill neste blogue, com “links” para outros artigos sobre o mesmo autor: cliquem aqui!

segunda-feira, setembro 24, 2007

Pedras na calçada

Caminhei sempre, sem parar...
Sem parar... não... agoro me recordo, talvez parasse uma ou duas vezes, talvez...!
Tudo dei, e nada dei.
Tudo tive, e nada tive.
Talvez o meu olhar fosse tão apático... até... demasiado apático...!
Ao longe, alguém me seguia com o olhar... no olhar!
Alguém, algo, que me perseguia na monotonia, dos dias, das noites.
Sozinha...
Mas eu nunca estive sozinha...
Tu estiveste sempre comigo!
Triste... disseram-me um dia!
Como...? Possível como...?
Se eu não quero!
Morte... medo, como?
Se eu não a temo...!
Medo...? Não...!!!
Dor...! Só dor!
Pensar que um dia te destruirão...
Destruirão, as minhas pedras na calçada... as minhas
companheiras, as minhas confidentes...
Pisadas por tanta ignorância...
Demasiada ignorância!!!

Lélé

Debaixo do Bulcão poezine
Número 10 – Almada, Setembro 1998

sexta-feira, setembro 21, 2007

Ó sole mio


Raios te partam
Que não és espelho, vidro de algum,
Massa em espasmos, força!
A lua esconde-te, sem paralelum.

Luz, disse Goethe
Devorando o teu astro
Como um navio sem medo
Deixando no oceano o lastro.

O meu corpo recupera do teu
A alma infinita
Brilho, cor, suor, o calor
Sem que agora o sinta.

Nas horas longínquas em que te possuo
Comovo-me com a tua bondade
São horas permitidas
Aquelas em que tenho mais saudade

De ti, brasa e candeia dos dias
Fazes mover as vidas
Perpétuas de dor
Lágrimas cometidas.

Teu signo é leão
Ó esfera que nos cega
O destino é sempre este
Errar como ele erra.

“Errante é tanto aquele
que se engana como
aquele que deambula.”

Rui Rocha
Debaixo do Bulcão poezine
Número 10 – Almada, Setembro 1998

terça-feira, setembro 18, 2007


Provei do cálice o líquido insano
de amargo sabor e estranhas visões
de realidades incertas
de definições macabras
e jogos desprovidos de amor.
Que realidade é esta
que em meus olhos não vejo,
em meu corpo não sinto
e a alma me aperta,
o espírito fere,
esse sabor amargo
que me aflora à boca
e despedaça o sonho.

António Boieiro
Debaixo do Bulcão poezine
Número 5 – Almada, Setembro 1997

O sol brilha

Será que o sol brilha?

Não sei
Só sei que o sol talvez brilhe
Se é que o sol brilha, porque
É que não vemos o sol brilhar?

Porque talvez o brilho do sol
Não seja para todos

Porque será que só quando bebo
Eu vejo o brilho do sol?
Porque se calhar só fora da
Realidade
O sol brilha...

João Parente
Debaixo do Bulcão poezine
Número 5 – Almada, Setembro 1997

sábado, setembro 15, 2007

Duas variações sobre quase o mesmo tema, por Miguel Nuno

Ah ah esta bota não me cabe no pé!



Leiam este poema em

Eh he esta bota não me cabe no pé!


E este em

wiguelnuno.blogspot.com/2007/01/eh-he-esta-bota-no-me-cabe-no-p.html

E ainda mais do mesmo autor em
wiguelnuno.blogspot.com

(Explicação? É mais um daqueles manuscritos que, ao longo dos anos, foram entregues para publicar no Debaixo do Bulcão poezine... aos quais, entretanto, os respectivos autores foram fazendo alterações. Nós publicamos agora os originais!...)

sexta-feira, setembro 14, 2007


Tempo

O tempo segue o sol depois a turva
opacidade e o escuro: e depois?
Ó minha avozinha que enterraram
há muito tempo (em quarenta e dois)
num dia de chuva!

Ao tempo segue o nada e o som do vento
varre sem nome (e perto) o estendal
Ó minha avozinha que hás-de ir
em breve para a terra enquanto a cal
me come por dentro!

O grande fio a prumo do que existe
oscila no vazio a íngreme rua
Ó meus mortos todos concentrados
a vigiar sem olhos à luz nua
a minha vida triste!

Perto contudo o incerto movimento
dos risos luminosos que tu dás
Ó minha infância morta: tu ali estavas
sentada nesse círculo onde estás
num vestígio cinzento!

Quem sou? Seja eu o fado antigo
da casa velha e o bafio na escada
Ó minha vida antiga a descer
a eterna rampa larga e apertada
sozinha comigo!

Que mais? Vegetação no fosso e pó
onde uma música vem a subir
Ó minha vida triste eu vou chorar
esta esquina que ando a perseguir
no vento de ser só!

António José Coutinho

(Estas duas versões do poema “Tempo” foram entregues pelo autor, António José Coutinho, ao editor do Debaixo do Bulcão poezine, António Vitorino - algures em Almada, durante as noites de boémia da década passada. Nunca foram publicadas na edição em papel. Portanto, aproveitamos para as divulgar agora, no reinício deste blogue, após as férias de Verão...)

quinta-feira, agosto 30, 2007

Ainda de férias...

... e só voltamos em Setembro!

Mas, até lá, deixamo-vos com estas imagens da nossa cidade, Almada:
Duas vistas de Cacilhas, captadas a partir do parque de estacionamento do Morro de Cacilhas
(Agosto 2007)
Parque Urbano Comandante Júlio Ferraz e Praça da Liberdade (Agosto 2007)

Turistas na zona do Cristo-Rei, observando a Ponte 25 de Abril (junho 2003)

quinta-feira, agosto 23, 2007

Atenção, muita atenção!!!...

... este blogue interrompe momentaneamente as férias para divulgar duas novidades:


Uma festa de aniversário


«Sob o pretexto de um primeiro aniversário, o grupo de expressão artística Margem d'Arte decidiu reunir uma data de amigos, na esperança de proporcionar a todos os presentes um agradável serão.
O evento irá realizar-se no próximo dia 31 de Agosto, pela uma da madrugada, no Manel Bar, em Santa Cruz, Torres Vedras (A8, no sentido Lisboa/Leiria -saída Torres Vedras Norte).
No mesmo serão servidas leituras de poesia marginal acompanhadas por uma exposição de expressões visuais estendalizadas.»

e um concurso literário:
5º CONCURSO LITERÁRIO GUEMANISSE
DE CONTOS E POESIAS / 2007

«Objetivando incentivar a literatura no país, dando ênfase napublicação de textos, a GUEMANISSE EDITORA E EVENTOSLTDA. promove o 5º CONCURSO LITERÁRIO GUEMANISSE DE CONTOS E POESIAS, composto por duas categorias distintas:
a) Contos;
b) Poesias»
Regulamento e mais informações em