sexta-feira, dezembro 28, 2007

Um recorrente convém de plano que se fez.

O desejo
entre dispõe
e languesce
a eternidade
que perpassa
no que têm;
que tinha a ver
que era de ser -


Lutas nos dias
do terror libertam
urros que correm
no movimento servil...


Nrocha07


Debaixo do Bulcão poezine
Número 31 - Almada, Dezembro 2007

“…sobre o Mar”

Escuto aquele silêncio insistente
que num esbater de ondas é quebrado.
E fui sonhar,
relembrar…
A substância misteriosa
escondida naquela harmoniosa
cantiga indefinida
que os homens respiram,
saúdam,
contemplam:
Sois profundo e intenso,
infinitamente enigmático.
Porque em ti todos os segredos
se escondem – Porque os guardas…
Não os desvendas…

É para ele que me dirijo,
se a nostalgia me invadiu.
É para ele que me viro,
se uma inquietação me consumiu:
Sois um fascínio,
somente beleza -
porque existes,
com certeza.
Sois a mistura de um abrigo
entrelaçado infindavelmente
numa força resistente.
Sois vida,
Sois natureza!

Susana Barão

Debaixo do Bulcão poezine
Número 31
Almada, Dezembro 2007

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Despedida

Não te quero
senão porque te quero
e de tanto querer-te
a não querer-te chego
e de esperar-te
quando não te tenho
gela o meu coração
neste inferno.

Quero-te
porque só a ti te quero,
odeio-te sem fim,
e odiando amo-te,

e a ironia deste amor cruel
é não te ver,
e quando te vejo,
amar-te como um cego.

Nesta história só eu morro
e morrerei de amor
porque te quero
e porque te quero
despeço-me, amor, e parto

pois perdi-te e já não te tenho...

Vang
Debaixo do Bulcão poezine
Número 31 - Almada, Dezembro 2007

sábado, dezembro 22, 2007

Kyrie

Em nome dos que choram,
Dos que sofrem,
Dos que acendem na noite o facho da revolta
E que de noite morrem,
Com a esperança nos olhos e arames em volta.
Em nome dos que sonham com palavras
De amor e paz que nunca foram ditas,
Em nome dos que rezam em silêncio
E falam em silêncio
E estendem em silêncio as duas mãos aflitas.
Em nome dos que pedem em segredo
A esmola que os humilha e os destrói
E devoram as lágrimas e o medo
Quando a fome lhes dói.
Em nome dos que dormem ao relento
Numa cama de chuva com lençóis de vento
O sono da miséria, terrível e profundo.
Em nome dos teus filhos que esqueceste,
Filho de Deus que nunca mais nasceste,
Volta outra vez ao mundo!

José Carlos Ary dos Santos
Mais sobre este autor:
www.astormentas.com/din/biografia.asp?autor=Ary+dos+Santos
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ary_dos_Santos

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Receita para parir um bom esquizofrémito

Relacionarmo-nos sexualmente
Com a dor de todas as palavras
De tantas quantas as pessoas
Que outra pessoa possa guardar no seu interior
Abraçar as eternas meias-horas
Que por nós passam e nos trespassam
(O Verbo que se faz Carne
Que se refaz sangue
Que se reduz pó)

Mário Lisboa Duarte
margemdarte.blogspot.com


Tarde

Na inconstância da etérea luz
Do ventre da língua
Ser-se ubiquamente omnisciente
De uma linguagem que se desenvolta
No movimento frenético
Dos múltiplos orgasmos
Seguidos de ternos espasmos violentos

Mário Lisboa Duarte
microbiomegalomano.blogspot.com

em Debaixo do Bulcão poezine
Número 31 - Almada, Dezembro 2007

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Lista de objectos encontrados num acampamento de escravos fugitivos mais o poema encontrado nessa lista

três machetes
três facas com ponta e outra sem ponta
três punhais de tamanho maior com as suas bainhas
um punhal sem cabo e a sua bainha
três punhais sem cabo e sem bainhas
um machado para lenha com cabo
meia arroba de cera cozida pouco mais ou menos
igual quantidade de cera em rama
um baralho de cartas
algumas peças de roupa
um capote com mais de meio uso
uma rede de dormir com mais de meio uso
um pouco de carne
uma frigideira e um pouco de comida
um garrote grande e uma pedra redonda
uma vasilha grande de guira para transportar água
uma cabaça pequena com mel e uma garrafa vazia
um pouco de pólvora
seis chuços que mandei destruir

Alexandre O’Neill (n:19/12/1924 -f: 21/8/1986)
“Dezanove Poemas”
(1983),
em “Poesias Completas”, edição Assírio & Alvim,
Lisboa, Novembro 2000

Mais deste (e sobre este) autor, aqui:
debaixodobulcao.blogspot.com/search/label/Alexandre%20O%27Neill

terça-feira, dezembro 18, 2007

Turbilhão

A escada das memórias
Sobe sempre em caracol
Num rodopio desvairado
Que te empurra e solta
Na manhã submersa da tristeza
Onde vive a chama solitária.
Monstro vivo, algures na Terra
Decapitando os augúrios do Amor
Tenra carne, bendita pele
Morre e sonha e cai tão só
Que a vida não quis que fosse
Um dia mais na clara cor.



Miguel Nuno
wiguelnuno.blogspot.com

em Debaixo do Bulcão poezine
Número 31 - Almada, Dezembro 2007

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Tentativa e erro

quando era criança
tentei enxertar na terra um pessegueiro.
ele não cresceu:
a terra era boa
o que me faltou foi o talento.
não faz mal:
era só um capricho
eu não gosto de pêssegos.

agora que sou adulto
enxerto nesta terra os meus versos.
não sei se vão crescer:
a terra não é boa
mas dizem-me que tenho talento.
não faz mal:
é só um capricho
pelo menos tento.

António Vitorino
(Agosto 2003)
vitorinices.blogspot.com

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Escrita Maldita


Não mais o não
Derrota violenta
Idealista sem palestra
Anarquista amestrado


A fome arrogante da
Revolução silenciosa
Nas mesas recheadas dos
Livres "pensantes"

Não mais
A cabeça entre as pernas
E o corpo dilacerado
Em monossílabos de infância

Nunca mais
As tetas secas
E a permanência na casa
Estupidamente fria

Nunca mais
As viagens do regresso
E Aida sonolenta
Sem a vontade de descobrir mundos
E sonegar maldições

Às avessas, às arrecuas
Avança trémulo, mas confiante
Na mais pequena liberdade permitida

A tudo se permite
A tudo se vende
Em tudo se reflecte
Sem tudo não acha nada
Nada tem a não ser tudo
Com tudo grita
Em tudo se manifesta
A tudo culpabiliza
Contudo
Não consegue nada

Escrita maldita
Maldita escrita
Nascida do pranto seco da alma
Do silêncio dolorido
Arco-íris sem cores

No silêncio mais surdo
Ensurdecedor silêncio
O grito do universo
Em uníssono

Escrita maldita
Maldita escrita


Falta de rima
Falta de fala
Fala desconexa
Ida e volta
Volta e ida
Viagem parada

Não mais o não
Nunca mais o ímpio infortúnio
Do Cristo sangrento


Imagem maldita

Maldita escrita
Escrita maldita


António Boieiro
Debaixo do Bulcão poezine
Número 31 – Almada, Dezembro 2007

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Editorial do Debaixo do Bulcão n.º 31

11 anos com o Debaixo do Bulcão!

Em Dezembro de 1996, foi distribuído o número zero deste poezine que tem publicado os trabalhos de dezenas de autores, na sua maioria oriundos da cidade de Almada.

Ao longo de mais de uma década, centenas de textos passaram pelas mãos do António Vitorino que, sem favor ou selecção, os imprimiu, recortou, colou e encontrou maneira de conseguir umas quantas resmas de papel e uma fotocopiadora, um exemplo de altruísmo cultural. O Debaixo do Bulcão não gere lucros, nem paga a ninguém. Todos os seus autores contribuem voluntariamente para a sua composição. O Debaixo do Bulcão é distribuído mão na mão e dá a oportunidade de ler novos autores, na sua maioria não publicados, a todos a quem calha recebê-lo.

Manufacturado e paginado por carolice e vontade de ajudar, a tudo tem sobrevivido, mantendo-se válidos os seus objectivos primordiais, os de difundir a poesia e literatura moderna de Almada e o de dar visibilidade a uma série de autores que assim partilham os seus textos de forma livre de imposições contratuais, colocando-se voluntariamente à margem de esquemas comerciais de produção literária e afins.

É caseiro, o Bulcão.

Miguel Nuno