sábado, dezembro 30, 2006

Anúncio

Encarrega-me Sua Excelência o Senhor Editor do Debaixo do Bulcão poezine de anunciar que, nos primeiros dias do ano vindouro, irá ele, o Excelentíssimo Senhor Editor do Debaixo do Bulcão poezine, proceder, aqui neste mesmo blog, à divulgação pública da mui douta Mensagem de Ano Novo de Sua excelência o Senhor Editor do Debaixo do Bulcão poezine, mensagem para a qual estais desde este momento todos formalmente convidados a assistir, e cujo os temas serão, por ordem de relevância, "bonum vinum laetificat cor hominis" e "fortuna favet fatuis", seja lá isso o que for.

Sem outro assunto de momento me despeço,
em nome de Sua Excelência o Excelentíssimo Senhor Editor do Debaixo do Bulcão poezine,

Abreu Santinho
(Assessor para questões linguísticas de Sua Excelência o Senhor Editor do Debaixo do Bulcão poezine)

debaixodobulcao@netcabo.pt

sexta-feira, dezembro 22, 2006

tens um carimbo de dor
que marcas todas as manhãs no lado esquerdo do teu ombro
que fala,
e assobias cantarolês a música do sono que te embala.

a birra faz a vontade aos mais teimosos. IRRA!!
quem é senhor dita-dor
tem no coração um código de rE.morse.


Catarina Henriques
(Debaixo do Bulcão 27, Dezembro 2004)

Arbusto

Ao longe a tua gargalhada
Reconheci
Provocações à vontade de
Querer ir ter contigo.
Estar contigo.

Ganhei coragem!

Subi a uma árvore
Para te ver
Mas como não te vi, desci.
Estavas atrás de um arbusto
Ai que susto.

E tu ris-te.


Lino Átila
(Debaixo do Bulcão 23, Dezembro 2003)
respiro um rosto frágil,
um corpo que se diz ser.
não me encontro nos espaços transparentes
mas sigo-te e lembro-me da minha sombra

olho de água olho de água

primeiro nome não sonhado: o olhar que vê;
o outro: um rosto abandonado ao ar, cego,
no caminho que vem.
sou o que veio
por um momento à luz - de tão longe.

olhos de silêncio olhos de silêncio

se não continuar, fico muda...
os lábios secam. a estranheza não respira.
há que tocar a morte dos dias
e jogar com os sonhos dos outros.

resta a ausência calada
resta um tempo do tempo
restam os restos das rezas das velhas do monte
os tijolos da casa vazia

resta o intervalo em vez do existir.


Ângela Ribeiro
(Debaixo do Bulcão 23, Dezembro 2003)

As pessoas

São cavalos mansos
as pessoas
Algumas dão coices
patadas
outras
Cavalos mansos
na verdejante paisagem
Apenas


Rodolfo Rodrigues
(Debaixo do Bulcão 20, Dezembro 2002)

Red line

O que procuro?
- a verdade
essa é certamente falaciosa
e nunca dúbia.
Combino dois elementos
e apenas uma força,
por agora a minha lei.
Se o reconhecer
quase nada temo,
mas se houver oportunidade
corresponderei conforme
a tal lei da arbitrariedade,
ao ponto de nunca
exceder o limite
previamente estabelecido.


Dexsapho
(Debaixo do Bulcão 20, Dezembro 2002)

Underground

Na mesa o tabaco onde
homens de pão de lata
em cinza conservam o fumo
no duche de pedras nuas,
em que os filhos pretos
de raiva misturam ideias
vazias no prato de sopa.
Ah! Mafalda, Mafalda!
Porque é que não és
a janela do umbigo de
dentes ocos.
Palavras, palavras.
Trás, trás, bateu o vento.
Os homens de pão de lata
em cinza desataram a gritar
foda-se, foda-se.
A luz da madrugada rompe
a escuridão da noite e
os homens de pão de lata
em cinza saltitam no esgoto
da mesa a vida.
Sombras de cão que vadiam ao luar
pelo fogo do candeeiro
que na janela da rua
os pássaros cagam liberdade.
A noite esvai-se.
E, num soluço,
é dia.


Flávio Andrade
(Debaixo do Bulcão 11, Dezembro 1998)

Queria

só queria ter um poema
na palma da mão
para to oferecer
do fundo do coração

só queria ser um ponto
numa folha em branco
e pudesses ver
como te amo tanto

só queria ter um amor
eterno de um grito
feito por nós dois
mais que o infinito

só queria ser um corpo
teu e meu sem fim
único no mundo
que fosse sempre assim


Jorge Caldeira
(Debaixo do Bulcão 11, Dezembro 1998)
Isolo-me num mundo
onde todos me parecem pontos finais
... e surgem as interrogativas
perguntam-me o porquê de tanta solidão

As exclamações rodeiam-me
e o imperativo sugere-me reticências

O ponto e vírgula assustam-me
e as vírgulas...
... as vírgulas são as minhas
companheiras de solidão,



Maria de Lurdes Ferreira
(Debaixo do Bulcão 11, Dezembro 1998)
Fecho os olhos e esqueço
e nem tenho quem pensar
Oco em mim adormeço
como para não despertar

Como esta vida que pesa
nos meus olhos a dormir
embalo a minha tristeza
existo por existir

Tenho medo do que sei
E medo do que seria
o pensar que acordei
podendo sentir o dia

Eu quero a noite escura
E ficar-me devagar
dormindo nesta amargura
com medo de despertar


António José Coutinho
(Debaixo do Bulcão 7, Dezembro 1997 )

Eu

Que sou eu afinal?
Sou o que quero ser!
Sou Eu...
Na alma
Não tenho lugar para a dor,
No corpo
Sinto o teu fervor.
Somos ardentes,
Somos inconstantes,
Temos os corações
Envenenados de paixão...
Não temos limites,
Não conhecemos nada,
E já perdemos toda a razão...


Ana Silva
(Debaixo do Bulcão 7, Dezembro 1998)
Quero ter o sol em minha alma,
a chuva em meu olhar,
o bailado do vento em meu corpo,
o som do lobo em minha voz,
o covil a minha mente,
a minha batalha o pensamento
e o amor a minha morte.


António Boieiro
(Debaixo do Bulcão 1, Dezembro 1996)

... É fazer as contas ...

Já se sabe...
Sempre que algo muda,
Algo se perde.
E o que se ganha
Mesmo melhor
Ou pior,
Fica
Demais
Ou demenos...
Conforme a proporção
Da perspectiva
Para com a
Mudança desejada, dig?


Miguel Nuno
(Debaixo do Bulcão 1, Dezembro 1996)

O solitário e individual hábito do café

Chego
Não conheço ninguém
Observo em meu redor
Com todo o meu olhar de...
Animal de caça.
Vejo três possíveis lugares
Procuro aquele que
Satisfaz melhor a camera "fixográfica"
Que tenho nos meus olhos
E congelo cada instante.
(Agora já sentado a uma mesa,
Cigarro fumegante no cinzeiro).
O olhar do empregado dirige-se
Para mim...
Peço então numa voz estudada há já muito tempo:
- É um café e um copo de água, se faz favor

...
- Sai uma bica.


José João da Costa Mota
(Debaixo do Bulcão 1, Dezembro 1996)

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Boas e más notícias

Começando pela má: esta edição do Debaixo do Bulcão (nº28, Dezembro 2006) tem um número de exemplares muito reduzido. Portanto, terá de ser distribuida de forma muito parcimoniosa.
A boa: se procurarem bem, irão descobrir numa das prateleiras do café Sabor & Art (Rua Cândido dos Reis, 88 - Cacilhas, na cidade de Almada) alguns bulcões à vossa espera.




Se quando vocês lá chegarem já não houver nenhum, não desesperem e regressem ao local no sábado, 30 de Dezembro (data da próxima sessão mensal de Poesia Vadia).

quinta-feira, dezembro 14, 2006



Do grito que solto
E da sombra de que fujo
E dos braços que lanço
Em fúria de tempo e espaço
Se separa a linha e o traço
E se equilibra o meu andar
Numa corda em que balanço.

Frente a frente com
As histórias que vêm do mar
Deitei o meu grito na areia
E enterrei a ideia de ar
Com que suspendia a certeza.

Das memórias já só resta
Os momentos em que me feri
Nos teus espinhos
E os aromas
Do pólen
Que libertas
Na doce convulsão

Do grito que segreda
Às paredes eternas do horizonte,
Se soltam os desenhos
Duma carícia que não pude evitar.

Do grito que enfrenta
As marés alternadas (na
Tempestade de Setembro)
Alguma esperança se liberta
Em força, em leveza e ar.

Para sempre o meu grito
Grava nas pedras que se aconchegam
Ao fundo da praia
A profundidade do meu ah
E a sublime libertação
Do medo que me impede de ser
E da vertigem em que
Persigo a beleza, a tentação.


Miguel Nuno
wiguelnuno.blogspot.com

(Debaixo do Bulcão 28, Dezembro 2006)

Editorial


Ena, tantos peixinhos! Donde é que vieram estes peixinhos todos?, perguntou o Bulcão.
Não sejas parvo, puto! Então não se está mesmo a ver que vieram de cima!?, respondi-lhe eu.

A verdade é que o Bulcão já é um menino demasiado crescido para fazer perguntas destas. Foi isso que me irritou. Com dez anos e ainda tão ignorante, até parece que é estúpido!... "Donde é que vieram estes peixinhos todos"... Daah!!!... Atrasado mental!
Mas deixemos lá o puto com a sua lerdice e vamos ao que interessa. Ou seja: este editorial.
Portanto, deixa lá ver... uma década debaixo do bulcão, e tal, isto dá para escrever que... enfim... talvez... Porra, desisto! Nunca tive paciência (muito menos talento) para editorialista.
Epá, se quiserem saber coisas sobre o Bulcão leiam a minha confissãozita em debaixodobulcao.blogspot.com.
Já leram? Pronto, então ficaram a saber que a culpa é do DN Jovem e que... O quê, há aí quem não concorde? A história não é bem assim?
Oh, senhor António Boieiro, chegue-se à frente e conte a sua versão dos factos.
Afirma Boieiro: "A ideia que eu tinha de que a maioria das pessoas em Portugal não ouviam declamação fez-me procurar o porquê, isto há uns bons anos e aliás eu tive esta discussão com o António Vitorino e foi por causa desta discussão que surgiu a poezine, contracção de poesia e fanzine, Debaixo do Bulcão, nesta altura estava eu, o Vitorino e o João Mota no Ponto de Encontro – nome porque é conhecida em Cacilhas e em Almada a Casa Municipal da Juventude – e o António Vitorino volta-se para mim e diz-me ‘é pá, o que é que tu achas da malta fazer aí uma fanzine só de poesia? Ao que eu lhe respondi que achava a ideia bestial e afirmei isto porque a poesia está morta e o Vitorino no primeiro Editorial tal como nos aniversários costuma contar esta história ‘é pá, a poesia está morta em Portugal vamos lá fazer isto!’ E o João Mota corroborou ‘porreiro da vida, vamos a isso’ e começou por nós os três juntarmos umas quantas coisas que cada um tinha escrito e aderência foi tão grande, tão grande que já inúmera gente não só queria escrever para aquilo como escreveu ao ponto de eu concluir que Portugal continua a ser um país de poetas, cada português é um poeta porque a poesia está dentro de todos, está-lhes no sangue." (texto completo em http://fozibertogo3.no.sapo.pt/)
Pronto, tá bem, é verdade, é mais ou menos isso, só não sei se o João Mota estava lá ou se falei com ele noutra altura e... Olha outro a interromper. Diga lá, senhor Miguel Nuno... Eu devia contar como e onde apareceu a primeira edição? Pois é, que falta de rigor. Mas, meu amigo, tenha a bondade de nos brindar com um naco da sua prosa.
"Até parece que foi anteontem mas foi há dez anos já.
Em 1996, nasceu o poezine Debaixo do Bulcão onde vários jovens escritores, de Almada mas não só, publicaram alguns textos soltos de forma despretensiosa e simples, em edição policopiada e distribuída gratuitamente no decorrer da Feira Internacional do Fanzine, no Ponto de Encontro, em Cacilhas.
A fome compilatória do António Vitorino (não o socialista, o poeta e mentor do Debaixo do Bulcão) continuou anos fora, tendo lançado já mais de duas dezenas de edições, com uma periodicidade exemplarmente irregular.
O Debaixo do Bulcão manteve-se ao longo dos anos como nasceu, sem ambições para além da edição seguinte, dando origem a vários acontecimentos, como a peça de teatro “O Auto dos Pastores Brutos”, o concerto com os Éterea, na celebração do 5º aniversário ou as várias participações na Quinzena da Juventude de Almada.
Com um grafismo ora rude ora interventivo, o Debaixo do Bulcão tem assegurado os desabafos de muitos autores que nunca foram (e sabem que nunca virão a ser) publicados.
E que bom isso é." (em wiguelnuno.blogspot.com)
Fica registada a opinião. Deixem-me acrescentar que a primeira edição contou também com o incentivo desse grande fanzineiro chamado Pedro Morgado (na altura responsável pela referida Feira do Fanzine).
E pronto, que mais falta dizer? As coisas lá foram andando, umas vezes melhor outras vezes pior, no princípio eram só gajos a escrever ("Conseguimos aumentar o número de páginas e de colaboradores, mas defrontamo-nos com um grave problema que muito nos entristece, que é o facto de participarem poucas poetisas", lamentava-se o Jorge Feliciano no editorial do Bulcão nº2) mas entretanto foram aparecendo muitas poetisas... etc. etc. etc.
Olha, o puto acordou outra vez. Cala-te, pá, e deixa-me escrever o editorial. Que é que foi? Estás praí a resmungar o quê?
O QUÊ? OLHA QUE EU OUVI... QUEM É QUE É FILHO DUM CABRÃO?
- Sou eu, pai.
Ah, bom!

António Vitorino

debaixodobulcao@netcabo.pt

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Arrastados

Arrastados, sobem as escadinhas que os conduzem para o calabouço onde as torturas são intermináveis. As suas caras lânguidas traduzem a sua infelicidade de quem cataliza mais um dia de trabalho, mais umas horas de esvaziamento de ideais que levaram uma vida inteira a produzir: - «alô, está lá?! É possível falar com o senhor?»; - «Não, não é, não está, nem sei quando será possível falar...»
Um silêncio que é produzido com muitas palavras, aliás, um ruído que é ensurdecedor e amorfo: piiiiiii, piiiiiii.
Falam, falam, falam... «estou muito farto disto», vai contra os meus ideais, destrói a minha criatividade.
Agora sou apenas uma máquina, que se for bem oleada vai falar tanto que vai fazer render muito aos outros. E porquê? A necessidade... o conforto de termos mensalmente um salário nas mãos e afirmarmos o quão proletários somos, «eu não sou burguês», porque eu legitimo a minha classe e a minha condição, o que é ainda mais lindo!


Andreia Egas
(Debaixo do Bulcão 28, Dezembro 2006)
Amigo

não adianta a demência
o gordo nela vos quer

o gordo assim
a inteligência vos rouba

respeitai-a
ainda qu'a julgues pouca


A multiplicação da mentira

há por norma
honestidade na mentira

a maioria dos mentirosos
não sabem que mentem
pois afirmam sinceros
a mentira d'alguém


Nós e os outros

uns criam
outros captam

uns são autores
outros autorizam

uns mudam
outros cristalizam a mudança
cobram impostos sobre ela

nós pagamos o que criamos
eles captam


Sejamos

não adianta furtarmo-nos à guerra
ela está declarada pelo inimigo

nós não temos mísseis nem o dinheiro

mas temos o ventre o músculo a
palavra
donde o futuro será


Jorge Feliciano
(Debaixo do Bulcão 28, Dezembro 2006)

terça-feira, dezembro 12, 2006

Acção

o homem
o seu rumo mudará
a alegria criará raízes
sobre os corpos dos tristes

isto que falo não é esperança
é acção
muda de vida
destroi o teu bocado de cidade
organiza associações de destruidores
reocupa as terras
planta nela a tua comida
e come-a

quando o tirano te bater à porta
com a sua conversa e promessas de castigo
ri-te e foge
mas se puderes mata-o

contenta-te com muito
não te contentes com pouco
a liberdade não farta
o que farta é a vida sem ela

não dês trela a ses
não dês trela a mas

é que:
quando começamos a dar explicações sobre a nossa
conformação,
aí sim,
está tudo fodido


Jorge Feliciano
(Debaixo do Bulcão 28, Dezembro 2006)
Amor, quero dar-te muito mais... blusas dispersas pelo cais. Ler muito mais e ser saudável, de energia pura constituída. Amar este nirvana e beliscar as tuas

pernas estendidas. Doçura, palavra desprezada, inteligência que corrói todos os quadrados. Amor, deixa-me castigar este abraço e dar tudo o que pode ser dado obrigado!

Já tenho mil lembranças. Só esta mesa diz-me tantas coisas que não posso guardá-las, soltam-se pelo ar, revoltosas. E o mais engraçado é que posso cantar o fado, o Diabo nasceu, a segurança mínima condensou-se, um cimento denso marca esta forma.

Adoro quando me perguntam o que é que estudo.
Morena infeliz, por quem me tomas?



Vera Mateus
(Debaixo do Bulcão 28, Dezembro 2006)
Piratas encaminhados: tão bem que estavas, tão mal que estás. Faz-me graça a tua desgraça. A cada ano menos entendimento, e principalmente, amanhã posso dizer o contrário.
Um mosquiteiro, África revestida de amendoins...

Bob Marley perdido no Amazonas, hippies gays ao despertar. No evolution, simplesmente me perco igual; Estou com o Bob, mas não nos vemos, as árvores gigantes não deixam.

A piscina de Moura, o meu corpo era firme e chinelos por toda a relva. Decadência no cloro estival. Na melhor das hipóteses encontramo-nos no balneário azul, tentando comer batatas fritas ao mesmo tempo.

Os joelhos mostram-se assim, devoltos na ligeireza desta certeza. Cultivar é perigoso como um vazio eterno.

Saltos acrobáticos e pózinhos perlimpimpim.
Aceleramos sempre à volta desta ideia de tranquilidade.


Vera Mateus
(Debaixo do Bulcão 28, Dezembro 2006)

Momento de Grande Dramatismo

indeciso entre ser o dom quixote
ou ser o dostoievski
o indeciso poeta acende um cigarro
vai até à garrafeira
e entorna num copo com gelo
o seu preferido néctar
que só pode (só podia) ser de malte.
dom quixote
tem a grandeza e a loucura
e também o sofrimento.
dostoievski
tem o sofrimento e a grandeza
e também tem a loucura.
cada um deles é
também
personagem de seu próprio
drama.
(pensa
enquanto emborca de uma vez só
o conteúdo do copo.)

(Nota: Esta era a versão de 2003.
Em Dezembro de 2006,
onde se lê dom quixote, leia-se carlos cruz
e onde se lê dostoievski leia-se artur albarran)



António Vitorino
(Debaixo do Bulcão 28, Dezembro 2006)
debaixodobulcao@netcabo.pt

Edição de Autor

a módica quantia de cem euros
serviu-me para muitas fotocópias
depois de alinhavar rimas metódicas
enfeudadas cada qual em seus feudos.

mas este ofício complica-me os nervos
pois eu só sei rimar a gajas nórdicas
que aos berros me sussurram coisas óbvias
tais como na irlanda há muitos trevos.

assim é mais difícil ser poeta
é mais arreliante dar-me às musas
que fogem todas por esta ampulheta

das dores palpitadas e infusas
viscosas como sémen na proveta
mas sempre me acrescento às letras lusas.


Affonso Gallo
(Debaixo do Bulcão 28, Dezembro 2006)

debaixodobulcao@netcabo.pt

Adeus

Na esquina da rua onde moravas
Havia um bar
Rodeado de chuva e de vento
Entrámos ao mesmo tempo
E eu senti a tua mão na minha
Olhei para ti
E os meus olhos apertaram os teus
E os teus apertaram os meus
E durante tanto tempo se apertaram
Que eu esqueci a cor dos teus
E tu esqueceste a cor dos meus
Mas não teve importância:
No pequeno quarto com vista para o céu
Recuperámos todas as cores
E estranhamente, quando acordámos
Já não havia chuva

Ainda lá está
O mesmo bar na esquina
Da rua onde moravas
E a tua imagem lá continua
Como se estivesse à minha espera
Mas não me olhas já
Tento tocar o teu cabelo
Mas estás longe
Foi há quanto tempo?
Não sei
Todos os anos volto à cidade
Ao bar da esquina da rua onde moravas
Na esperança de que os teus olhos
fiquem rasos de água
E que esqueças a cor dos meus
E que eu esqueça a cor dos teus
E que depois
Ao despertar
Todas as cores se espalhem no teu
corpo
Todas as cores se espalhem no meu
corpo
Mas
Estranhamente
Sempre chove


João Feliciano

(Debaixo do Bulcão 28, Dezembro 2006)

Suprema Fantasia

Acordo triste e desalentada
Os olhos de lágrimas marejados.

Vejo nuvens negras no horizonte,
Sinto na pele a penumbra cinzenta que me cerca…

Na cama, a meu lado, dormes descansado
Indiferente ao meu sofrer.

Recordo dias de prazer, mas outros tantos de solidão!
Sonho com a suprema fantasia de abraçar o horizonte…

A angústia de te ver não te sentindo, invade meu coração
Fecho os olhos e alcanço as estrelas que me iluminam
E um sorriso nasce em meus lábios…
Que, de mansinho, deposito na tua face adormecida.


Minda, 2006
metoscano.blogspot.com

(Debaixo do Bulcão 28, Dezembro 2006)

Partilha de Embalo

Ela está grávida
e o bebé canta para dentro de si.
Ela atravessa o rio
e o bebé dança de dentro para fora.
Ela dança cá fora
de pernas mais curtas do que outrora
e o corpo é dela mas não só,
e não é só ela quem dança
não é só ela que embala o corpo
porque a música vem de dentro dela
do seu meio,
embrulhado em aconchego único
suave e vital.

E ela tem frio
e não é só ela
é o bebé dentro dela.
E ela treme
o corpo dentro da pele
e não é ela
é o bebé no seu centro
nos seus olhos
no seu sangue
e por todo o corpo.
Ela vê o gato
no parapeito da janela
e gosta,
o bebé gosta,
e sorri
pelos lábios da mãe.


Laura Moura


(Debaixo do Bulcão 28, Dezembro 2006)

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Poesia Olímpica Sem Piscina no Teatro Extremo, em Almada Velha



Lá estivemos, o pessoal do Debaixo do Bulcão, o pessoal do Teatro Fórum de Moura e respectivos convidados, e ainda o respeitável público, para mais uma sessão de Poesia Olímpica Sem Piscina.

Que é como quem diz, um recital mais ou menos assim:


o qual teve como principal objectivo comemorar o décimo aniversário do Debaixo do Bulcão poezine, bem como proceder ao lançamento da edição número 28.



As fotos são de Ermelinda Toscano, a quem agradecemos a disponibilidade e o apoio prestado.
Mais imagens em As Fotos do Bulcão!

Só mais uma coisinha

Os recitais de Poesia Olímpica Sem Piscina não foram concebidos tendo em vista a participação de declamadores não convidados. Para isso, existem as sessões mensais de Poesia Vadia, no café Sabor & Art, em Cacilhas, que se realizam no último sábado de cada mês.
No entanto, estamos sempre abertos à participação de autores que queiram divulgar os seus textos, por escrito (no poezine Debaixo do Bulcão ou neste blog), ou por outras formas que podem ser combinadas através do email debaixodobulcao@netcabo.pt

António Vitorino

terça-feira, dezembro 05, 2006

Aniversário do Bulcão

Ora bem, como já sabem, o Debaixo do Bulcão faz 10 anos agora em Dezembro. O que ainda não vos tinhamos dito é onde e de que forma vai ser comemorada a data.
Então, tomem nota: vai ser na próxima sexta-feira

(8 de Dezembro), por volta das 22h30 (a seguir à peça Se Os Tubarões Fossem Homens) no bar do Teatro Extremo. Vamos ter o lançamento da edição número 28 do Debaixo do Bulcão poezine,
bem como um recital de Poesia Olímpica Sem Piscina
(semelhante ao realizado em Moura, mas certamente melhor, porque vocês, público de Almada, são gentes mais eruditas e respeitadoras, não são?...)
com Eunice Martins (estrela especialmente convidada), que se juntará a
Andreia Egas, Jorge Feliciano, Vera Mateus e (provavelmente, porque parece que o gajo se costuma baldar a estas coisas) António Vitorino.
Então, apareçam por lá!

A.V.

quinta-feira, novembro 30, 2006

"Se os tubarões fossem homens...



seriam mais simpáticos para vocês, peixinhos?"




Um musical para toda a família!!!

quarta-feira, novembro 29, 2006

Se os tubarões fossem homens, seriam eles mais simpáticos para vocês, peixinhos?

Depois do Alentejo, o Teatro Fórum de Moura irá representar em digressão o seu primeiro trabalho. Trata-se de Se Os Tubarões Fossem Homens, de Jorge Feliciano que irá estar dia 3 (16h) no Auditório do Mercado de Fernão Ferro (Festival de Teatro do Seixal), dia 7 (21h30) na Casa Amarela (Laranjeiro) e dias 8, 9 e 10 de Dezembro (sempre às 21h30 e no dia 10 também às 16h) no Teatro Extremo em Almada Velha.
As actuações na Casa Amarela e Teatro Extremo serão únicas pois terão também como motivo de alto interesse a colaboração dos LA DUPLA & D.J. x-ACTO no fluir do espectáculo. Este agrupamento tem vindo a destacar-se na cena musical da Grande Lisboa pelo seu rap incisivo disparado pelos MC´s Espanhol e Nessa, numa mistura de voz masculina e feminina onde se fundem duas línguas ibéricas, o Português e o Castelhano.
No dia 8, à noite, a seguir ao teatro, teremos também um recital de Poesia Olímpica sem Piscina, no bar to Teatro Extremo. Com Jorge Feliciano, Andreia Egas, Eunice Martins, Vera Monteiro e, muito provavelmente, António Vitorino. (Mais informações em breve neste blog e em Coisitas do Vitorino.)

Sinopse de SE OS TUBARÕES FOSSEM HOMENS

No fundo do mar, a Menina Tubaroa pergunta ao Senhor K., um tubarão muito sábio: Senhor K., se os tubarões fossem homens seriam eles mais simpáticos para os peixinhos? E assim começa a conversa, na perspectiva de dois tubarões, acerca da humanidade e as suas guerras, a arte, a televisão, a saúde e muitos outros assuntos relativos aos homens.
Um espectáculo de linguagem simples e concreta que inicia as crianças ao pensamento sobre a condição humana e lembra aos adultos como funciona a engrenagem da nossa civilização.
Em constante interacção com o público os dois actores evoluem numa representação que não deixa nunca de ser cómica e provocadora de estranheza.
Ficha artística e técnica
Texto a partir de Bertolt Brecht, encenação e cenário Jorge Feliciano Actores Andreia Egas e Jorge Feliciano Música João Feliciano Som e Luz Jorge Sales Operação Técnica (Teatro Extremo) Eunice Martins Frente de Casa (Teatro Extremo) Carla Ferreira Fotografia Orlando Fialho e Jorge Sales Produção Executiva Andreia Egas e Jorge Feliciano Apoios Junta de Freguesia de S. João Baptista, Câmara Municipal de Moura e Teatro Extremo.

Moradas
Auditório do Mercado: Mercado de Fernão Ferro
Casa Amarela (Laranjeiro): Av. Prof. Ruy Luís Gomes (Junto ao Terminal dos T.S.T.)
Teatro Extremo (Almada Velha): Rua Serpa Pinto, 16 (perto do largo do Xafariz na Rua Capitão Leitão)

quarta-feira, novembro 22, 2006

Poesia Vadia em Cacilhas

As sessões mensais de "Poesia Vadia" estão de regresso a Cacilhas. O novo espaço Café Sabor & Art, sucessor do defunto Café Com Letras, recebe a primeira desta nova série de tertúlias, no próximo sábado, dia 25.
Mais informações no blog Poetas Almadenses.

António Vitorino

quarta-feira, novembro 15, 2006

A MINHA CONFISSÃOZITA


Confesso: esta mania de querer ser editor é uma coisa antiga e muito muito feia, que já nasceu torta e, como tal, não será agora que se vai endireitar.

Eu conto como foi.

Quando eu era um jovenzinho, aí por meados dos anos 80, tentei publicar poemas de minha autoria no DN Jovem, esse inesgotável manancial de escritores frustrados (sim, ok, eu também tentei publicar no DN Jovem). Mas eu escrevia coisas que não se enquadravam minimamente naquilo que, para os editores desse suplemento eventualmente literário, era o aceitável em termos de "qualidade", E o aceitável era: os pássaros (da então emergente "liberdade" neo-liberal) abrindo as suas esplendorosas asas e voando (óbvia alusão a qualquer coisa sexual, dizem os freudianos) no imaculado e/ou atormentado azul e/ou cinzento chumbo do céu (da poesia, claro...), etc etc etc.
Portanto, quando eu enviava textos com títulos como Protopoético-Cosmogonia (que, a propósito, foi publicado no Debaixo do Bulcão nº 11, Dezembro 1998), ou versos como nítido, o pássaro / explode em consequência do contacto com a bala, sabia de antemão que
a) não seriam publicados
b) receberia a inevitável resposta "lê bons autores (por exemplo Fernando Pessoa" ... ou a sua multidão de heterónimos).

Ora, isto que me faziam (e a todos cujos textos não se encaixavam nos apertadíssimos critérios de selecção do DN Jovem) é algo de extremamente cruel.
É como ter um bébé na incubadora e aparecer a família para lhe dar porrada.
É como deitar o menino guerreiro fora com a água do banho.
É como... bem, acho que vocês já perceberam.

Então, cheio de frustração e revolta por não ver reconhecido o meu talento, resolvi vingar-me.
Eu, manchado pelo suor da luta,

sob um sol vermelho de sangue, levantei o punho ao céu e,
chorando lágrimas amargas, jurei então que, a partir desse exacto momento,
custasse o que custasse, NUNCA MAIS iria ver um único dos meus poemas recusados por um qualquer editorzeco. Porque eu, sim eu próprio, me encarregaria de os públicar!

Agora, publicar como? Uma edição de autor?
Podia ser uma ideia, pois. Mas acontece que eu, além de ter outros defeitos, maleitas e malformações, contraí também o bicho dos fanzines, ai de mim...

Um fanzine seria, portanto.
Como se tratava de um fanzine de poesia esteve inicialmente para se chamar apenas Poezine (garanto-vos que, até então, não tinha encontrado essa palavra em lado nenhum, três pontos para mim). Mas... e que tal dar-lhe um nome mais literário assim tipo sei lá olha pode ser Debaixo do Bulcão...?... Debaixo do Bulcão ficou, e pronto.
E pronto?
Népia. Havia ainda mais uma pequenina questão a resolver. É que, como já disse eu queria um fanzine mesmo a sério e não uma edição de autor.

Decidi então convidar mais alguns autores excluídos (hoje talvez já incluídos, mas isso é outra conversa) dos círculos bem-pensantes da "nossa praça" (nossa praça era como se dizia quando eu era novo). A seguir - sequência lógica - abrir as páginas do Bulcão a quem nele quisesse participar. Isto sem qualquer critério "literário" de selecção de textos: a ideia é mesmo respeitar a vontade de cada um a expressar-se poeticamente, ficando a noção de "isto é ou não poético" a cargo (e à responsabilidade) do autor.

Há quem cresça (literariamente) a escrever para as gavetas. Mas muitos outros precisam de confrontar a sua criatividade com a opinião crítica dos leitores. Eu faço parte deste lote.
Há também quem depois de publicar desista de escrever - porque julga que não está ainda à altura do empreendimento ou simplesmente porque descobre que afinal não era aquela a sua vocação. Mas, se não tivesse experimentado, valeria a pena alimentar ilusões? Ou simplesmente desistir sem ter experimentado?

"Melhor é experimentá-lo que julgá-lo
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo"

, dizia o grande zarolho.

Trata-se, enfim, de entender aquilo que os DN Jovens deste mundo não conseguem, não podem ou não querem:
que a poesia pode ser a expressão das mais legítimas e singulares angústias existenciais, dos júbilos mais doces ou agrestes, de firmes convicções políticas, de enlevados narcisismos, de agudas farpas sociais, de tanta coisa que agora nem sequer me passa por esta pobre cabecinha, ou simplesmente da inefável tristeza que sempre acontece
porque tu não estás sempre ao meu laduuuuuu
e
sem ti não há mais nada!!!!!!!!!!

E pronto, agora é que vai ser.

Se me dão licença, agora vou saciar a minha fome compilatória. É que o bulcão não saía desde Dezembro de 2004. É muito tempo sem compilar! Imaginam o que isso custa?
Assim mal comparado diz que é como afogar um gato fedorento no seu próprio vómito.


António Vitorino

PS: Não acreditem em tudo o que aqui leram. A história do Bulcão está sempre a ser reescrita, sabe-se lá com que inconfessáveis intenções. Mas pode ser que, algum dia, alguém conte toda a verdade...

sábado, novembro 11, 2006

O PRÓXIMO NÚMERO
SAI EM DEZEMBRO

portanto, se estiverem interessados em participar com os vossos textos (poesia ou prosa), enviem-nos rapidamente para debaixodobulcao@netcabo.pt.

Mais informações sobre o Bulcão no blog do
Wiguelnuno

segunda-feira, novembro 06, 2006

DEBAIXO DO QUÊ???

Do Bulcão. Ou seja: negrume de nuvens ou nuvem espessa que antecede a tempestade; e, em sentido figurado, grande tristeza ou aflição. São sinónimos recolhidos em diversos dicionários (escolham o que melhor vos aprouver).

Mas o que é afinal essa coisa chamada Debaixo do Bulcão?

É um poezine, obviamente! Um poezine é um fanzine de poesia. Um fanzine é... bem, procurem a definição em http://pt.wikipedia.org/wiki/Fanzines e poupem-me, está bem?

Para ficarem a conhecer melhor o projecto Debaixo do Bulcão (e, portanto, aquilo que podem esperar deste blog), consultem o já obsoleto http://poezine.blogs.sapo.pt ou espreitem as fotos de algumas das actividades que desenvolvemos nestes 10 anos em http://community.webshots.com/user/debaixodobulcao

Até já!
Há dez anos Debaixo do Bulcão?
Pois parece que assim é! O primeiro número (lembram-se?) foi editado durante a Feira Internacional do Fanzine de Almada, em Dezembro de 1996. Com o seguinte editorial que também pode aqui fazer as vezes de uma declaração de intenções:


BOA PIADA! ...
... dizer que Portugal é um país de poetas.
Kamöens, por exemplo (suponho que se escreve assim) apodrece na vala-comum da ignorância colectiva - isto sim, é poesia.
Entretanto (porque há sempre um entretanto) quem não sabe que Os Lusíadas são o mais ilustre paramento da ditosa pátria minha amada? mas quem tem pachorra para ler o calhamaço?
Insistir no chavão "Portugal é um país de poetas" implica, por assim dizer, o esquecimento de que as novas divindades - exemplo: a internet - já vivem instaladas, se não nos nossos computadores, pelo menos nas nossas cabecinhas de rato.
Digo pouco? Há mais? Televisão? Cinemas? realidades virtuais? Cabeças, afinal, de abóbora sem pevide, mas ávidas, como no Haloween? Como é? Uma imagem vale mais que mil palavras? Como é? Os poetas estão co9ndenados a pastar bolor no fundo das gavetas? Agora mesmo, "no final do segundo milénio"? Mas qual milénio? Tu acreditas em Cristo, para me falares assim em finais de milénio?
EU NÃO COMPRO ESSA!
Por isso, irmãos, eu vos convido. Vinde todos, abrigai-vos debaixo do bulcão.
E deixai chover.

António Vitorino (editor, ou o que lhe quiserem chamar)