quinta-feira, abril 11, 2013

Nº. 1

O que sou não tem significado.
Tu és intrigante, como um stencil do Banksy.
Temo-te como um furor mesquinho
que desvio do meu alcance,
Nada mais foi como antes
pois comecei a sonhar.
Traço escalas de planos
nos meus sonhos rebuscados,
serias o filme perfeito!
Que nunca vou realizar…
Deixa-me colecionar vinis
recriar neles a nossa história.
No fim, resta um vazio.
Como agonia irónica
da qual eu me rio,
só para te irritar um pouquinho.
Como em máquina lomográfica
crio outra realidade, tendo a ser trágica.
Eu não escrevo livros
Tenho medo da verdade
E gosto das palavras soltas.


Sílvia Cunha

Debaixo do Bulcão poezine
N.º 41 - Março 2013

(Ilustração: desenho de Sturrefsit Adjukaatrix)

terça-feira, abril 09, 2013

Zapping

alguém estava a ensinar
a última palavra, a conclusão
definitiva, mas mudei de canal
e, depois, já não fui a tempo
de retomar o raciocínio.
quando a informação nos
é atirada à cara como uma
fisgada podemo-nos realmente
magoar. fiquei a um
passo de uma revelação fundamental
e tive de me conformar: vejo
agora reclames publicitários como
se não os observasse. dá
esquecimento em quase todos
os canais que subscrevi:
pago a mensalidade com o
ordenado ganho na minha alienação,
recebo a paga na mesma moeda.
é justo. como se uma dessas mãos
pudesse realmente lavar a outra.


Rui Tinoco

Debaixo do Bulcão poezine
N.º 41 - Março 2013

A ver televisão

os mais esclarecidos de entre nós
ligam a televisão no final do dia
ansiosos por presenciarem
os Debates. neles, a lógica
é uma bola que serve um
jogo verbal seguido com a
maior atenção. às vezes
tecem-se estranhas contas
de quem venceu
de quem perdeu
como estivéssemos perante
Gladiadores e existisse
um César com verdadeiro
poder de vida, de morte.
é curioso pensar como
nos tornamos infantis, procurando
combates, vitórias e derrotas,
como esperamos insensatamente
que alguém nos explique
a nossa própria existência
só por estar dentro do ecrã.


Rui Tinoco

Debaixo do Bulcão poezine
N.º 41 - Março 2013

domingo, abril 07, 2013

Ulisses, o robot, filosofando


"As minhas palavras elevam-se 
mas os meus pensamentos 
ficam presos à Terra:
palavras sem pensamentos 
não chegam ao Céu."
Shakespeare, 'Hamlet'






voltar a ser humano
ou nunca mais voltar a ser humano

saber sulcar a terra das palavras
carpinteirar seu barco e navegar
no mundo imenso e duro
ser como num poema de Sophia
o pensamento hábil que floresce
semântico do plácido trabalho

ou enxertar em nós o silicone
do tudofeito&prontoaengordar
a timidez do flácido neurónio,

eis a questão.


António Vitorino

Debaixo do Bulcão poezine
N.º 41 - Março 2013

(Imagem: capa do livro 'The Bicentennial Man', de Isaac Asimov,
em  http://www.nicholaswhyte.info/sf/tbm.htm)

sábado, abril 06, 2013

TIC

a Madame Lisete
que não tinha grande peito
foi-se pôr no photoshop
ficou com as mamas a preceito


aranhiças & elefantes

http://aranhicaselefantes.blogspot.com

em Debaixo do Bulcão poezine
N.º 41 - Março 2013

quinta-feira, abril 04, 2013

A dor me ser

afundo a mão entre as águas
trago seu remanso sobre o meu não saber delas
para recortar a lâmina úmida
acredito que haja um assovio
na lágrima que é lume sombrio
tremulando como alvéolos
teares nas chaminés do campo
quando a noite se enfraquece
no cio das aves
outro é o pão que alumia o dia
argila que se molda uma única vez
agora são rios os raios que se aquecem no frio
e se aconchegam e se verbalizam no silêncio – nada diria para que continuasses a dizer
tantos voos suspirando nesse vazio
onde a correnteza é o lar grave da margem
o anseio da ilha  – que me reste somente o que consigo beber dos seus leitos breves, como um círio raso e único...
quando a guarida é remo e rede,
quando não me disfarço de mim - sonrío.


Tere Tavares
http://m-eusoutros.blogspot.com.br/


em
Debaixo do Bulcão poezine
n.º 41 - Março 2103

quarta-feira, abril 03, 2013

12 Fevereiro de 2012

… Ao meu camarada Diogo

Tu!

Que me convidaste para ir a tua casa beber um rum
Na primeira noite em que nos conheceste
Que sem preconceito nos convidaste – a nós – para ir a tua casa
Numa campanha eleitoral, numa noite de verão
Fizeste de nós amigos

Tu!

Que me ensinaste que “nós podemo-nos chatear com uma pessoa, mas nunca com o partido”.

Tu!

Que me ensinaste a ver-te sempre vigilante
E a dizer aquilo que alguns pensavam, mas não tinham a coragem de o dizer
E que muitos pensavam ser um acto de vaidade

Tu!

Que visitaste a revolução onde ela acontecia

Tu!

Que pensavas acerca de tantos temas da nossa sociedade com a lucidez
Que muitos, mais jovens não ousariam sequer alcançar

Tu!

Que viste a guerra civil espanhola, e viste os nossos irmãos a serem fuzilados

Tu!

Que viste os fascistas fazendo a saudação nazi

Tu!

Que a bordo do paquete Vera Cruz
Foste à inauguração de Brasília do Niemeyer


Tu!

Que me fizeste duvidar da expressão “alma”
Sempre que em festas não cantavas essa palavra

Tu!

Que as tuas cinzas voem e
Que no solo mais fértil da nova era pousem!



B.B. Pásion
Poemas da saudade



em
Debaixo do Bulcão poezine
N.º 41 - Março 2013