quinta-feira, novembro 27, 2008


a formiguinha que seguia a linha branca de coca em cima do tampo da retrete do quarto de banho da discoteca banhadas não tinha a mínima percepção do longo tubo de alumínio que joão louro manuseava com uma perícia de viciado; ambidestrado, em coca mestrado. joão louro também não fazia a mínima ideia que a coca que inalava tinha uma formiguinha que passava...

a traça que planava os montes de vila alva esgueirou-se pela janela aberta de um fiat salva foi atraída pela luz de fogo fátuo de um isqueiro em brasa manuseado por joão louro um carocho que na calma derretia a substância de nome heroína que lhe havia de dar uma doce morte que estava na sua sina. a traça sem oferecer resistência foi a pique.

joão louro não fazia a mínima ideia que a chinesa que fumava tinha uma traça que passava...





Debaixo do Bulcão poezine
Número 34 - Almada, Outubro 2008
(foto de Rui Tavares)

quarta-feira, novembro 19, 2008

A frase de efeito de hoje


Extraio sumos do extinto.
Limito a procura ao escuro que me instiga.
Novamente lembro, (coisas do intuitivo)
Tenho alguma palavra,
outras aberturas além de alguma palavra.
Toda visão de não estar neste comércio de palavras.

Minha cabeça mexe, excede o pronome,
o pré-nome que espero;
o exame da íris no ermo das páginas.

Visto o que subsiste,
engulo um pão-de-queijo, um vestígio,
e, guardiã, perfuro a folha de rosto.


Tere Tavares

Debaixo do Bulcão poezine
Número 34 - Almada, Outubro 2008

Memória do deserto.




Começara ao ali cair
o tempo a fazer se naquele estado
a caminho, e o olhar, no deserto.

(N)aquele prévio tempo como altura do dia e logo
é raio alto e só imenso o caminhar, e quanto pior,
que o melhor do que aproveita o deserto, ao deserto
é seu fim, feito e nesses dias, da memória, o rarefeito
ar, cerrado ; o claro olhar no ir do deserto é que cai fundo.

Estâncias dos de si mortos e no deserto as por completas
paixões como séries de passado que sempre traz o grito e
gaza a memória que enquanto corre é não mais do que a
miragem de um avanço, ou pé após pé, ou mesmo até ao
depois do deslizar da memória soberba, ou os seus traços
incinerados, ou o sol no braseiro, do deserto.

Já não queima após este o levar por quanto tempo caído e
apenas o deixa, calcinado, o traço que fica dessa memória,
do deserto, e aquando das horas que ausenta o aval da hora
passa, da miragem, da cólera que dali corre e tudo fica ao
tempo faz se, nessa hora o deserto do silêncio, olhar aberto
por instante ; e tudo isto já não é mais que o valha, ou tudo
antes que passo, após passo, como pode ser no deserto, nele
os olhos vistos a claro, contado traço de, pois, do deserto.

- e é memória da memória a do deserto -

Nuno Rocha
Debaixo do Bulcão poezine
Número 34 - Almada, Outubro 2008

As memórias das memórias...


Não nunca me esqueci de ti... escondes-te e apareces nas manhãs da minha memória, despertas-me através de cheiros, de sons e de sensações.

Quantas vezes de julgo perto, tal e a certeza da tua presença.

Invades o meu pensamento por incontrolável tempo, levando-me a viajar por locais sem nome nem localização no mapa, os nossos corpos fundem-se na eternidade do momento, são almas separadas sem rasto ou sem retorno...

Apagas-te e recrias-te consoante o momento, as vezes penso que te conheço, quando noutras me pareces tão distante.

Acorda-me deste medo de te perder para sempre. Por que ruas tenebrosas caminhas tu. Dá-me um mapa da tua caminhada, marca um ponto de encontro comigo num cruzamento viável.

As palavras de nada servem, ate tu própria já mo disseste, por isso dá-me a oportunidade de partilhar um momento contigo e ajudar-te na escolha do caminho da incerteza... porque toda a escolha e incerta...

Lembra-te de ti, e do que eras a pouco tempo atrás, dos sonhos e projectos que tinhas... ou será esse o teu problemas?

Os fantasmas memoriais pregam-nos sustos a todos os instantes, cabe-nos a nós tentar combate-los, por vezes diariamente. Embora a vitoria dessa batalha não ser eterna, é uma bengala que nos ira ajudar a apoiar-se noutras batalhas contra outros fantasmas e muitas das vezes com os mesmos fantasmas, supostamente já vencidos.

Lembra-te que o caminho da certeza é e será sempre uma incógnita.

Há um desgasto e uma fusão de conceitos aparentemente ténue mas que marca profundamente a sociedade em que vivemos, o conceito de certo e errado andam ligados como o amor e o ódio…

Somos uns renegados da sociedade actual, a que tanto acredita na suposta democracia imposta e na igualdade de direitos e de raças... nem preciso de continuar a comentar o resto, basta olhar a nossa volta.

Por isso segue o teu instinto, mas com cuidado com o andamento que tomas, da sempre a margem da possibilidade de recuar.

Já chega de ruas de sentido único e de paragens obrigatórias... nada e obrigatório ate tu o decidires como tal. O meio influencia em demasia a personalidade do individuo, poucos são aqueles que conseguem lançar-se para as linhas de fogo.

Quero reencontrar-te... por onde andas tu???


Marisa Sá - Luso

Debaixo do Bulcão poezine
Número 34 - Almada, Outubro 2008
(Foto de Rui Tavares)

segunda-feira, novembro 17, 2008

Plume


Quando vendi a minha Alma ao Diabo… ele foi gentil!

Quando a comprou
tinha os olhos fixos nos meus,
e os meus não conseguiam desprender-se dos dele.
Estava um calor tão envolvente
que me aqueceu, muito.
Aquecia-me até aos ossos,
depois do longo Inverno.
Só ele me acalmava, e eu, tão fatigada que estava
de correr, e não achar fim…
À minha grande solidão.
Ele surgiu.

Com o sorriso nos lábios avermelhados
pelo vinho, que saboreava calmamente,
sentado na sua poltrona de veludo,
tão vermelha como os seus lábios,
falava baixinho e ao mesmo tempo as mãos, vagarosamente,
acompanhavam os gestos meigos das suas palavras. Disse-me:

- Não te preocupes… tudo correrá como desejas!

Deitei-me a seu lado,
deixei que me acarinhasse,
e aninhei-me nele.
O calor era cada vez maior,
o meu desejo também,
e ele sabia de tudo.

Perguntei-lhe:

- De que depende a minha destreza na Vida, para poder lidar com o desprezo humano?

Ele disse meigamente, colocando o seu dedo nos meus lábios:

- Chiuummm… Ama-me muito.

Encheu um copo, e entregou-mo. Disse-lhe:

-Je suis tellement perdue!
-Moi aussi!
-É bom…
-Bem vejo!

E despiu-se para mim, a cantar:

- Sex... Beat.

A face molhada de Sexo aqueceu-me.
Ofegante… queria senti-lo mais…
mais profundo…
fundo de tanto quanto o podia ter…
em momentos lentos, mas violentos
da minha força carnaz,
enquanto bebíamos o licor
espaçadamente entre os abraços e beijos …
doces,
em que ele com o dedo
me molhava os lábios.
no sofá de veludo…
tudo perfeito
tão suave…
Sussurrou:

- Sexo saboreia-se em doces modos na violência do desejo concretizado.

Pareceu-me que todos os Mortos se levantariam hoje para poderem eles, beijar os seus Amantes,
Se na carne ainda lhes corresse Vida!
Se o tutano ainda lhe humedecesse os Ossos!
Se as pupilas se dilatassem com o Desejo!
As minhas mãos nas suas costas, fecharam-se em abraço... e abraçando-o, disse-lhe:

-Quero-te… quero-te…

Depois disto,
Os mortos descansaram os corpos,
E dançaram com a Alma a balalaica do Desejo.
- Je suis ton fou

- Moi aussi!

As nuvens suspensas no imensurável céu Azul eram também a água evaporada, do suor dos Amantes.
E todos os dias de Sol
me queimaram a face
de sal e rugas...
a pele branca.
Porque só ele me aquece!
Aonde estará ele agora?…

Quando…
voltará a dançar…
a minha Alma?


Violeta


Debaixo do Bulcão poezine
Número 34 - Almada, Outubro 2008


(ilustração da mesma autora)

quinta-feira, novembro 13, 2008

Debaixo do Bulcão na Feira Internacional do Fanzine de Almada

Está a realizar-se em Almada mais uma Feira Internacional do Fanzine (entre 7 e 15 de Novembro, no Ponto de Encontro - Casa Municipal da Juventude, Cacilhas).



O Debaixo do Bulcão não podia deixar de comparecer a esta iniciativa. Até porque, afinal, o projecto nasceu naquela casa, e editou o seu primeiro número durante a Feira do Fanzine de 1996 (a história já foi contada, por exemplo, aqui).
Este ano, os visitantes do certame encontram exemplares de todas as edições que publicámos (e são todas, mesmo, mas só para consulta...). Eventualmente, talvez encontrem ainda um ou outro exemplar da edição mais recente - e essa podem levá-la convosco.


Mais informações sobre a Feira Internacional do Fanzine (edição actual, história, entrevista com dois dos criadores do evento), no blogue Almada Cultural (por extenso):
http://almada-cultural2.blogspot.com/search/label/Feira%20Internacional%20do%20Fanzine%20de%20Almada

quarta-feira, novembro 12, 2008




O feijão frade demora-se nos coentros
acabrunhando a brandura obediente do
asinino esfrangalhado em molho picle, é
o regime piramidal dos espatifados sioux
servindo cubinhos enfeitiçados de alho
ao cume do civismo socialyte, apurando,
com complacência, os termos laxismo e
sodium laureth sulfate, todos encharcados
em azeite e vinagre onde os anafados, e
regimentadas afilhadas, se contorcem na
medíocre textura de confiança engendrada
como anti-psicótico para os convivas que,
assim acostumados a tourear e seguros do
mecanismo de bluff prosaico da roleta-russa,
vão coagulando o esófago candidato a rival
com indirectas depuradas de virtuosidade.


Denominam-se de infiltração nos canos
neste imparável panóptico fenomenal, uma
civilização complicada até ao formato
monopólio onde se agudizam os agachados
arriscando à lerpa,apostam o PIB do país
embalados pela judiciáriaque salva-vidas oro
dispersáveis em vicodin e, o moscardo
mandamento da kaballah, vocaciona-os
para prosmeiros compromissos de berbequim.

João Meirinhos

http://www.movimento-xexe.blogspot.com/


Debaixo do Bulcão Poezine
Número 34 - Almada, Outubro 2008

terça-feira, novembro 11, 2008


V


Se hoje há um sorriso
uma lágrima está por detrás.

Nenhuma cova de nenhum cemitério
há-de guardar o tamanho desta lembrança.
A vida depois de tudo continua
mesmo com flores já murchas
de todos os tempos perdidos.
Não sou daqui nem de parte alguma
a dor que trago é humana
estou cansado...



XVII


Fosse eu pássaro
fosse eu mar
fosse eu chão
fosse eu sol a pique
no mais quente verão.

Tu e eu
silêncio cúmplice nas tantas barreiras ultrapassadas.

Fosse eu céu
fosse eu riso
fosse eu festa
fosse eu lágrima
para me engolires
por cada vez que te fiz chorar...


Vang

Debaixo do Bulcão poezine
Número 34 - Almada, Outubro 2008
(Fotografia de Rui Tavares:

sexta-feira, novembro 07, 2008

Guerra

Tanto é o sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.

Tanto é o sangue
que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.

Tanta é a morte
que nem os rostos se conhecem, lado a lado,
e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem uso.

Oh, os dedos com alianças perdidos na lama...
Os olhos que já não pestanejam com a poeira...
As bocas de recados perdidos...
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes...

Tanta é a morte
que só as almas formariam colunas,
as almas desprendidas... - e alcançariam as estrelas.

E as máquinas de entranhas abertas,
e os cadáveres ainda armados,
e a terra com suas flores ardendo,
e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,
e este mar desvairado de incêndios e náufragos,
e a lua alucinada de seu testemunho,
e nós e vós, imunes,
chorando, apenas, sobre fotografias,
- tudo é um natural armar e desarmar de andaimes
entre tempos vagarosos,
sonhando arquitectura.


Cecília Meireles
in Mar Absoluto e Outros Poemas - 1945

Cecília Meireles (7 Novembro 1901 - 9 Novembro 1964)
foi uma das mais importantes vozes da poesia brasileira.

Mais sobre esta autora:

http://www.releituras.com/cmeireles_bio.asp

(Nota: este poema e a fotografia que o acompanha, foram copiados do jornal português Diário de Notícias, edição de 7 de Novembro de 2001)

domingo, novembro 02, 2008

Sobre a Pedra




Já uma leve lágrima
Lava os rasgos
Da fome, isola as frases
Na pele e uma rubra
Ferida explica os raios
Do luar, a travessia das
Estrelas.
Sobre a pedra adormecem os
Sonhos vagos em que
Esqueceste de olhar
O lado de lá, onde
Escondes solidões.


Gabriel 98

Debaixo do Bulcão poezine
Número 34 - Almada, Outubro 2008

sábado, novembro 01, 2008

Molero em Cacilhas


´
Requiem para Dinis Machado



Naquele fim de tarde,
Molero engalanou-se e atravessou o rio,
Inebriado pelo convite de um amigo,
Que lhe prometera muita “palheta”, belos petiscos,
E claro, um dos melhores tintos da Margem Sul...

Molero deixou o Cais de Sodré,
Numa das barcas grandes mistas
Que furavam as águas do rio.

Viajou no convés, povoado de carros,
Com uma cigarrilha no canto da boca
Entretido a fabricar nuvens à volta
Dos seus olhos sonhadores, presos ao Tejo,
Que dançava uma valsa lenta com o Vento.

Ele não sabia,
Mas Cacilhas esperava-o, envaidecida,
Queria muito saber o que dizia Molero,
Daquela “pomada” e dos enchidos caseiros.

E Molero disse tanto,
Apenas com o olhar luminoso.

O sorriso de bom malandro iluminou-se,
Quando foi confundido com o Machado da Adega
E não com o Mcshade dos livros,
Ambos figuras de cartaz do Bairro Alto.
De tantos amores, tantas vezes indelicados...

Os copos enchiam-se e as personagens chegavam e sentavam-se,
Enleadas com o decorrer daquele filme,
Ainda com a beleza dos tons a cinzento.

Antes de apanhar o último barco,
Molero ainda escutou dois fados castiços
E falou da poesia que inunda as ruas,
Na companhia de Borges e de Pessoa...

Depois despediu-se,
Sem ter de fazer o quatro
E sem voltar a olhar para trás,
Como extraordinário fixador que era,
De filmes e livros policiais.

Já dentro da barca,
Acendeu uma cigarrilha no convés
E ficou a conversar com as estrelas,
Com a cumplicidade do Tejo e das marés...


Luís Milheiro
http://casariodoginjal.blogspot.com/
Debaixo do Bulcão poezine
Número 34 - Almada, Outubro 2008

(Fotografia de Rui Tavares
http://fotografiacriativaruitavares.blogspot.com/
- Cais do Ginjal, Cacilhas, Almada)