quarta-feira, maio 30, 2007

terça-feira, maio 29, 2007

O cego

o cego sentiu-se observado
e baixou os olhos na tentativa frustrada
de "ver" alguém.
o quadro escuro no qual se reflecte todos os dias
manteve-se no mesmo lugar da parede,
com a mesma cor, com o mesmo cheiro.
continuou a andar e deparou-se com uma parede. parou!
escuta o vento e tenta cheirá-lo, trespassá-lo, sentir...
como quem vê com olhos de ver, com algum amor...
tocar em algo vivo tornou-se um alvo a atingir;
nada, tudo morto, tudo frio e singelo, desmembrado
pelo tempo e pela loucura dos homens.
apoiando-se nas paredes, tenta não cair nos degraus
por onde passa a cambalear, por entre corpos adormecidos
da ressaca de qualquer coisa... inútil;
sente a necessidade de se desviar de algo,
mas prende-se-lhe o pé e cai.
desorientado, já não sabe onde está, como, porquê?
num acto de corrosão, ele mantém-se caído,
deixando o corpo ser calcado por movimentos cruzados
de pés que acordaram para mais um novo dia de sol e chuva.
agora, jaz morto no chão, à vista de tudo e todos
os que não acudiram na sua queda fatal. é tarde demais.
sucumbiu ao paraíso, ao silêncio, a um desenho
que permanece num qualquer quadro, num qualquer museu
do mundo inteiro.
boa viagem.


Sónia M.
Debaixo do Bulcão poezine
número 8 - Almada, Março 1998















Imagem: "Parábola dos Cegos",
Pieter Brueghel "o velho"
Mais sobre o autor em:
http://www.artchive.com/artchive/B/bruegel.html

segunda-feira, maio 28, 2007

Volta ao mundo

júlio verme deu a
volta ao mundo em 80 mil dias
e agora que chegou prepara-se para assentar
o rastejantraseiro na presidência do que estiver
vacante de presidentes
é o costume há sempre um júlio ainda por cima verme
que vem ver-me ver-te ver-nos
que saiu longetempo do buraco
da mãe para um feio dia limpar
pública meticulosamente os óculos
pô-los no nariz entalar o arreganho dum sorriso
entre as duas faiscantes vidraças
e dizer doravante quem manda
sou eu pelo menos até ao próximo
verme que a providência já fez partir do seu buraco
e ao qual cederei o poder dentro de 80 mil dias
quando a situação estiver normalizada
quando o povo encontrar praza a deus a cloaca
onde evacuar os seus filhos espúrios
causa de todo o mal

(e nós a vermos)


Alexandre O'Neill
"A Saca de Orelhas"
Sá da Costa Editores - Lisboa, 1979

Mais sobre este autor:
http://www.instituto-camoes.pt/cvc/figuras/alexandreoneill.html
www.arlindo-correia.com/o_neill_bio.html

sexta-feira, maio 25, 2007

A Ponte

(...a ponte... pronto, Salazar!...)
















salazar grande estadista era também um tipo esperto:
está-se mesmo a ver que quando construiu a sua ponte
do pragal até alcântara era só para bater certo
com o nome árabe de alcântara que significa a ponte.

se não fosse a ponte a margem sul era hoje um deserto.
se não fosse a ponte não víamos lisboa tão defronte.
louvemos pois salazar o homem perto
da perfeição: não sei como há quem defeitos lhe aponte.

e aproveitemos para atravessar a ponte várias vezes
ora de cá para lá ora de lá para cá.
é bela a vista da ponte: faz-nos esquecer os revezes

da vida e da portagem que nos coube em sorte e que há
só para gratificar a lusoponte pelo favor que nos faz nos meses
de agosto em que não desembolsamos. que sobre para as férias. oxalá!


António Vitorino
publicado em Debaixo do Bulcão poezine
número 25- Almada (Margem Sul), 25 de Abril de 2004

Sobre a Ponte 25 de Abril:
Artigo na Wikipédia
Video da inauguração

quarta-feira, maio 23, 2007

Inquietudes e desassossegos

Escrever tem a sua própria fisionomia,
a sua própria maneira de ser.
Gosto muito de ouvir as pessoas por isso falo pouco.
Falo muito pouco sobre o que faço,
a incerteza é permanente e muito íntima.
Estou no estado das dúvidas,
a tentar encontrar a voz e o tom.
O mundo começou a ser feito ao contrário,
vivemos livres num cativeiro.
De vez em quando Deus faz uma pessoa à sua medida.
Cármen é uma viúva que tem um morto em casa,
diz que o poder conserva a vida.
Quero convidar-vos a entrar na teia do pecado.
O que me surpreendeu não é lá ter estado, mas lá ter chegado.


Poema anónimo,
publicado no blog Redondo Vocábulo
e aqui reproduzido com permissão do autor.

terça-feira, maio 22, 2007

Alter

no quadrado da varanda do prédio
juntam-se corpos que se sentam ou
que se encostam nas paredes de pedra
conforme o tempo passa as pessoas vão
congelando e ficando mais múmias
no fim da noite já não se mexem
não há comunicação
o ar que vem de cima da varanda aberta
sopra-lhes o suspiro de fim de noite
que os empurra para casa


B.B Pásion
(poema inédito, enviado para
debaixodobulcao@netcabo.pt)

segunda-feira, maio 21, 2007

Rosa flagrante

"...Porque Resulta..."
(Miquel Àngel Riera, in "Antologia da Novíssima Poesia Catalã",
"Perquè Resulta"


Da carne rosa carmim creme
cai a gota de uma lágrima esquecida,
orvalho nas acácias flagrantes.
Sou o benjamim apaixonado.

No quadro aberto da natureza
que treme verde, (re)surge o grito
infinito de um silêncio cortado
no vento quente de Verão,
na frescura de mar.

Tudo flui num movimento perpétuo, na
dialéctica determinista
do acto de consumação vital.
Tudo respira.
Tudo cresce para o fim.
Tudo se esquece no ciclo interminável,
na origem do ser, em rotação estelar.

No fechar apocalíptico do dia
pintado de azul laranja cristal,
sopram as aves sublimes.
Estão de volta ao ninho antigo.
Retorno desejado de um cantar solto.
No assobiar de pássaro admirável
a mente liberta-se em asas
que cortam ar
num voo de sonho.

A carne rosa
liberta a luz de cor nova e os
raios da aurora amanhecida
em branco.

A carne rosa
liberta o perfume de uma raiva por sentir
e os odores caóticos da negação
e do seu intenso acordar.
É um fogo. São as chamas.
É a lava cósmica eterna.

É a lava cósmica eterna.
E é Vénus a chamar...

O vento sopra bruto nessas cinzas,
de onde renasce viva a centelha
que ilumina de rosa
a carne, e a antiga mente próxima.

É do peito que sai, batendo pirómano,
o ápice de calor, garantindo
a certeza com que ardem as mãos.

É da carne rosa, e da boca doce pelo
extracto da pele arrepiada,
que se acende
o foco da radiosa auréola e
estrela incandescente.
Como um ardor cardíaco por arder
até ao fim.

Porque resulta
que é da pele que
toda a estrela é feita


Gabriel '97
(Poema inédito. Mais deste autor em
wiguelnuno.blogspot.com)

Porque resulta

... Porque resulta que vos amo começando pela carne,
resulta que vos amo porque vos vejo a carne,
que a carne que vos amo rigorosamente é vós,
que não vos distingo se vos procuro para além dela,
que me fazeis odor e me agrada também fazê-lo convosco,
que toda a estética da corrupção
nos afasta exactamente
da divina
carne humana.

Partindo de tudo isto é que é dela
que temos sede,
que temos fome,
que atingimos o júbilo,
que nos purificamos com a lenta destilação das dores implacáveis
e fatalmente somos homens,
não compreendendo nem de longe
o secular anátema contra a carne,
o estranho paradoxo dos amores chamados proibidos,
a catalogação hierárquica das aristocracias da carne,
a maldição dela centímetro a centímetro,
sabendo bem como eu sei que é exactamente a partir dela
que se pode falar graficamente das proximidades humanas,
que cosso comprovar a vossa esplendorosa existência,
que me chega
a espantosa tempestade de mar fundo
a que, para abreviar, chamam amor.


Miquel Àngel Riera
"Antologia da Novíssima Poesia Catalã"
Traduzido do catalão por Manuel de Seabra.
Editorial Futura. Lisboa, 1974)

Site sobre o autor:
www.escriptors.cat/autors/rierama/

sexta-feira, maio 18, 2007

Sugestões para um fim de semana cultural em Almada

Antes de mais, literatura:

"Almada, Gente Nossa" - 2º volume, recolha de entrevistas a personalidades do meio cultural, é lançado este sábado, às 21h., no Fórum Municipal Romeu Correia (sala Pablo Neruda). O autor - Artur Vaz, um (re)conhecido escritor e jornalista almadense - conta, para este livro, com a "cumplicidade" de outro nome "de peso" das letras almadenses: Alexandre Castanheira, que escreve o prefácio da obra.
Entre as personalidades entrevistadas no livro, destacam-se os pintores Rogério Ribeiro e Albino Moura, o escultor Francisco Simões e o vocalista dos UHF, António Manuel Ribeiro. (Ver aqui o que já foi escrito neste blog sobre o livro, aqui um poema e aqui uma crónica de Artur Vaz).

Para quem prefere outras palavras e outros ritmos, a Casa Amarela (centro Cultural Juvenil de Santo Amaro, no Laranjeiro) propõe uma noite de Hip-Hop. Vai ser também este sábado, a partir das 21h30: concerto (entrada gratuita) com
Maximus
«Comecei em noventa e tal. Cuspir rimas na rua, escrever em forma de desabafo...Em 2005, formámos os 3pla Aliança e subimos a muitos palcos, tivemos algumas derrotas e momentos excelentes...! Farto de estar em barcos em estado de vegetação, decidi investir numa luta a solo na esperança que as coisas melhorassem ainda mais. Formámos a produtora (GaH DamN) da qual fazem parte os 3pla Aliança, os Melic e os 100Xtress. Neste momento, estou em estúdio a preparar novidades (sonoramente falando...). Esperem para ver! »

Supremo G
«O meu nome é sinónimo de Hip Hop! Pouco mais tenho a dizer... O meu objectivo é marcar a diferença neste RAP que tende a tornar-se cada vez mais redundante: "Não vim para agradar... mas sim para chocar"! A minha religião, a minha ideologia política, a minha crença intitula-se: AMOR AO PRÓXIMO...! Não falo do meu percurso, quem tem acompanhado o meu trabalho sabe por onde andei e sabe muito bem aquilo que eu posso vir a fazer.»


Há ainda para ver, até 11 de Junho os diversos (e diversificados) espectáculos do Festival Sementes - Mostra internacional de artes para o pequeno público, organização do Teatro Extremo (ver programa completo e mais informações em www.teatroextremo.com).

Se, mesmo assim, preferirem ficar em casa... olhem, que tal agarrarem nos vossos melhores poemas e prepararem-nos (aos poemas, e prepararem-vos, a vocês) para concorrer ao Prémio Literário Cidade de Almada? Não acreditam que vale a pena o esforço? Então, dêem uma vista de olhos ao regulamento do concurso (cliquem nas imagens para aumentar):

Então, vale a pena?

quinta-feira, maio 17, 2007

Ritual

Vinde murmuremos calmos os hinos
da evasão
Dispamos ancestrais e distantes os mistérios
à espera de nos levarem gesto a gesto
até à orla da quietude
Em que esqueceremos dormindo
alguns dos ventres
musicais
das palavras
escondidos nos jardins abandonados
da nossa mágoa
Esquecemos entretanto que ilusões?
Levámos para chorar a vida?
Não partamos sem levar as chaves do reino



António José Coutinho
Debaixo do Bulcão poezine
nº 4 - Julho 1997

terça-feira, maio 15, 2007

Prefácio

O meu prefácio tem o idílio de ensedar,
Com a parcimónia das metáforas,
E de uma fantasia imperdível,
Em citações, Prosas e Poesias.

Com o dom de ser pequenino,
Voltando a ser menino,
Monólogo de um coração,
Que se quer belo e são.

Reflecte-se em viagens do consciente,
Onde nunca é perca de tempo,
O encontro por um momento,
O estímulo do pensamento,
Conselheiro da compleição.



Pedro Alves Fernandes



em "Pintura Astral - As Palavras Onde Me Perco"
edição do autor
Lisboa, 2006

Sorriso

Não me lembro de ter nascido,
Não me lembro de ter vivido,
Não me lembro, jamais de alguma coisa
Se não somente, de ter sofrido!
Mas que importa isso agora?
Se sou feliz por ora.
Tenho amigos por todo lado
Os quais eu tanto amo
Os quais eu muito respeito
Sou feliz, por fazer sorrir alguém
Que sofre tanto ou mais do que eu.



Conceição Bernardino
amanhecer-palavrasousadas.blogspot.com/

sexta-feira, maio 11, 2007

Debaixo do Bulcão orgulha-se de apresentar: dois poemas de Oscar Niemeyer



Não é o ângulo reto que me atrai
nem a linha reta, dura, inflexível,
criada pelo homem.
O que me atrai é a curva livre e sensual,
a curva que encontro nas montanhas
do meu país,
no curso sinuoso dos seus rios,
nas ondas do mar,
no corpo da mulher preferida.
De curvas é feito todo o universo,
o universo curvo de Einstein.


Oscar Niemeyer


(Como já perceberam este Oscar Niemeyer é, mesmo, o grande e reconhecido arquitecto responsável pelo projecto de Brasília, entre muitas outras obras magníficas.
E, sim, como já entenderam, eu, António Vitorino, sou admirador do legado dele...
Passemos então ao outro poema, composto no exílio, durante uma estadia em Argel, aqui apresentado com uma nota introdutória escrita pelo próprio autor)


"Sentia-me longe de tudo. De minha família, dos amigos, das montanhas, mares e praias do meu país. Precisava voltar. Certo dia, não sei porquê, esse afastamento me pareceu mais doloroso. E escrevi estes versos, que preguei na parede do nosso escritório:"

Estou longe de tudo
de tudo que gosto,
dessa terra tão linda
que me viu nascer.
Um dia eu me queimo,
meto o pé na estrada,
é aí, no Brasil,
que eu quero viver.
Cada um no seu canto,
cada um no seu tecto,
a brincar com os amigos,
vendo o tempo correr.
Quero olhar as estrelas,
quero sentir a vida,
é aí, no Brasil,
que eu quero viver.
Estou puto da vida,
esta gripe não passa,
de ouvir tanta besteira
não me posso conter.
Um dia me queimo,
e largo isto tudo,
é aí, no Brasil,
que eu quero viver.
Isto aqui não me serve,
não me serve de nada,
a decisão está tomada,
ninguém me vai deter.
Que se foda o trabalho,
e este mundo de merda,
é aí, no Brasil,
que eu quero viver.


Oscar Niemeyer



Querem mais informação?
Consultem, por exemplo:
Nota biográfica, na Wikipédia
Site da Fundação Oscar Niemeyer
Oscar Niemeyer no site Artsy.net
E este artigo muito interessante sobre a Catedral de Brasília

terça-feira, maio 08, 2007

O elefante












Eh! estudante, compra um elefante.

Pede "massa" ao teu pai
e vai às aulas em cima dele.
Tanto faz chegar tarde ou cedo,
não o leves para dentro, deixa-o fora.

Eh! estudante, compra um elefante.

Com ele já não terás de correr
e com a sua tromba farás chover.
E se lhe pões uma escada
ninguém poderá cortar-te o passo.

Eh! estudante, compra um elefante.

Não temas, é um veículo prático,
e podes deixar-lhe os livros na orelha.
O suco que vai largando cola
as páginas do livro mais chato.

Eh! estudante, compra um elefante.

Vai bem seguro e sê consequente,
nós gostamos da tua pele.
Digo-te isto em nome da gente
que espera de ti mais que uma carreira.

Eh!, estudante, compra um elefante.


Ovidi Montllor

(traduzido do catalão por Manuel de Seabra
em "Antologia da Novíssima Poesia Catalã"
Editorial Futura. Lisboa, 1974)

Site sobre o autor:
www.arxiuovidi.info/principal2.htm
Canções de Ovidi Montllor:
www.cancioneros.com/aa.php?NM=365

segunda-feira, maio 07, 2007

Receita "para fazer um poema dadaísta"

Proposta por Tristan Tzara - 1920

"Peguem num jornal.
Peguem em tesouras.

Escolham um artigo que tenha o comprimento que vocês pensam dar ao vosso poema.

Recortem o artigo.


Recortem em seguida cada uma das palavras que formam esse artigo e metam-nas num saco.
Agitem docemente.

Tirem em seguida do saco cada recorte, um após outro, segundo a ordem pela qual ficaram no saco.


Copiem conscienciosamente.

E eis que cada um de vocês é um
escritor infinitamente original,
com uma sensibilidade encantadora,
ainda que incompreendido
pela maior parte das pessoas"


Publicado em Debaixo do Bulcão poezine
Número 29 - Almada, Março 2007

Mais sobre este autor:

www.epdlp.com/escritor.php?id=2376
www.spa.ex.ac.uk/drama/dada/page8.html
www.ubu.com/sound/tzara.html
www.sas.upenn.edu/~jenglish/English104/tzara.html

Sonho atávico

recorres à panaceia que te dá o tempo:
memórias esbatidas em azul. sem peso,

ponderas se ainda o mistério se pode colher

na árvore da sabedoria.

apenas um momento? ou dormir perto do mar

um sonho atávico... (fímbria de espuma?, pensas).



António Vitorino
(Outubro 1997, poema inédito)

Obs: Este poema foi composto com recurso a um método semelhante ao "jogo dadaísta" sugerido por Tristan Tzara. Neste caso, as palavras não eram aleatórias: faziam parte de uma lista de vocábulos pré-estabelecidos pelo autor, escritos em tiras de papel e metidos num recipiente. A aleatoriedade do poema consiste então na ordem arbritrária pela qual as palavras iam "saindo". No entanto, não se trata aqui de copiar simplesmente as palavras. Elas apenas "sugeriam" a estrutura do poema, que foi completado com recurso a outros vocábulos, de ligação. Por exemplo: "memórias", "azul" e "peso", sugeriram o verso "memórias esbatidas em azul. sem peso". Experimentem. É fácil e ajuda a aumentar o vosso acervo de bonitos (e infinitamente originais...) poemas.

sexta-feira, maio 04, 2007

Sugestão cultural para quem está em Beja, ou vai passar por lá nos próximos tempos

Visitem, a partir deste sábado, 5 de Maio, na Casa da Cultura de Beja

Mais Valia: uma Exposição
de Propósito Anti Capitalista




de Jorge Feliciano
(autor que colabora com o Debaixo do Bulcão desde os primórdios deste projecto).
A mostra insere-se no âmbito do III Festival Internacional de B.D. de Beja.
Para mais informações vejam o blog Livra-te Mundo!

quinta-feira, maio 03, 2007

Cinzento

É tanto teu o tempo. Tão nosso.
Conversa de resto esquecida
ainda não sei se posso
lembrar a estória proibida.

Que qualquer Deus te comanda. Bem sei.
A coragem nasce da loucura
sarando as feridas do que sonhei
para o regresso urgente da ternura.

Queriamos mais. Reconheço em ti.
O cinzento da manhã nasce na cama
já não sei se sofri o que sofri
desejos inflamados por tua chama.

É tanto o ser agora. Talvez jamais.
Cercas muros grades construidas
escrevemos tantas coisas nos murais
mestres em ilusões vencidas...


2005


Vang




Debaixo do Bulcão poezine
nº 29 - Março 2007

Sobre o tempo

O tempo passa.
A mão reescreve o sentimento de outras mãos num coração amarrotado. O teu olhar solidifica o vazio da minha visão e o meu corpo treme um pouco. Um olhar assim torna-se mecanismo de desilusão.
Como eu gostava ainda de saber escrever-te, o real é como uma máscara e sinto que perdeste anos sem fim a preparar uma vida aqui e ali interrompida pela distância.
Acho que cheguei aquele ponto em que desistir ou continuar são o mesmo precepício onde todos os desejos se tornam realidade...

E então a queda.

Vigio ilhas separadas onde habitamos com o riso abafado num murmúrio perdido no espaço. Um mundo existe ainda neste riso vazio de sentimento e evoca uma dança.
Dançaremos talvez um dia no espaço da minha morte. Os gestos desses movimentos mostrar-se-ão com toda a inocência para provocar o desassossego.
Fogem-me as palavras dos bonitos poemas mas a culpa é do sol que ilumina o caminho e assim sei de cor o que me espera no fim.
Porém o tempo passa e tudo se esquece e não foi só por acaso que hoje não falei nenhuma vez da palavra amor.



1995


Vang
(inédito)