quinta-feira, janeiro 29, 2009

Elogio da vida urbana


Existem alturas
Em que explorando as ruas ao acaso,
Encontro os abraços da euforia, os
Sorrisos francos da harmonia e
O contar dos passos,
Traços com que
Desenho no espaço da avenida
Os esboços de uma ferida.

Existem certos momentos,
Nos limites pesados do tempo,
Em que quase distingo
Os gritos alegres da fantasia,
O clamor da noite fria e
O recomeço das histórias antigas
Dos amores e das cantigas.

Existem dias imensos,
Radiantes e intensos,
Em que o material cinzento da cidade,
Se dilui em breve pranto, em
Brava ironia de ser humano,
Em fugas de tanto querer,
De tanto esquecer.

Existem os espaços sempre iguais,
Imóveis, fixos na memória,
Em que o forte aroma, o suor,
Flutua firme no ar, nas formas
Distantes de ver e
Na permanência do lugar,
Na luz que sublime reflecte,
No meu concreto olhar.

Já passaram tantos medos,
E tantos mais se fixam no
Frio das paredes,
E nos nós dos cruzamentos.
Lembranças soltas e presas
No cimento e nos pavimentos
E no passar dos momentos.

Enfrentar a corrente sedenta da cidade,
Crescer sempre em pensamento e
Nunca em idade, fazer da dúvida a verdade
Mesmo se não encontro no céu uma boa estrela,
Faz do meu desejo uma flor
E do teu amor a minha vontade.


Miguel Nuno


Debaixo do Bulcão poezine
Número 16 - Almada, Janeiro 2002
(Grafismo de Jorge Feliciano)

segunda-feira, janeiro 26, 2009

Esplendor nocturno

Quedo-me perante a noite
de firmamento limpo
e de estrelas que completam a ilustração.
Esta quietude deslumbrante
convida à extroversão sentimental.
- Será esta a noite dos poetas?
A lua magna transmite a afirmação.
Mas onde estão eles, os da sumptuosa galeria?
Eu creio que nem Pessoa, nem Gedeão,
ou Alegre, ou Camões,
ou Florbela, ou Sofia,
estarão à altura desta artística consagração.
Apesar de uma fileira inefável,
nessa noite,
a lua e as estrelas,
cantam um poema incomparável.




Fernando Barão


A sombra dos Sentimentos


Em Alma(da) Nossa Terra
Antologia de Poetas Almadenses, organizada por Ermelinda Toscano
Edição SCALA - Sociedade Cultural de Artes e Letras de Almada
Almada, Março de 2006

PREITO A UM POETA…

a Fernando Barão


Nada é mais certo,
que só o tempo
poderá assolar
a tua argamassa.

Só o futuro será juiz…

Deixa mourejar
o teu ímpeto desafiar os meus braços,
dar força à centelha que me alumia,
rasgando o desvão
dos meus versos.

O teu retrato é este!

Sulcos de memórias e vivências, por ti partilhadas.
Jovialidade e clareza
que embaraça o temporão.
Distância que só tu sabes encurtar.

Só o futuro será juiz, todos nós sabemos…

Mas amigo!
as aves continuarão
a desafiar clarins de liberdade.
E nesta caminhada, que é a Vida,
a tua voz será sempre,
enquanto os poetas quiserem,
uma alfinetada no silêncio,
vestida de palavras, sob palavras.

Só assim, se enraíza um poeta…


Artur Vaz

In: Caderno Index Poesis n.º 73
de Janeiro de 2009 – Poemas para um Amigo

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Sebastião da Gama


Servo de Deus,
poeta da natureza.
Tu serás sempre
anjo ancorado
na Serra-Mãe.

Terra que tu beijaste
e que por ti foi cantada,
nos poemas que deixaste
na obra inacabada.

Tu serás sempre uma voz
do Amor e da Liberdade,
na tua nova morada.
Poeta da natureza
da Távola, por ti criada.

Foste o arauto
e a voz da Arrábida,
Campo Aberto e Cabo da Boa esperança.
Pelo sonho, tu seguiste
entre estevas e flores,
num supremo querer divino
em férteis e encantados amores.

Foste Mar-Azul
memorial do teu povo,
êxtase e presença espiritual.
Tantas vezes te chamaram louco,
deixa lá isso!
Em tua defesa...estão os teus cânticos.
Os poetas, esses nunca morrem,
enquanto houver poesia, serão imortais.

Porque tu, Sebastião da Gama,
nesta encruzilhada da Vida,
foste e serás,
como Camões, Bocage e Pessoa,
um poeta genial.


Artur Vaz

Poema publicado com o consentimento do autor. A propósito da exposição "15 Artistas em homenagem a Sebastião da Gama", patente entre 24 de Janeiro e 7 de Fevereiro de 2009, na Biblioteca Municipal de Palmela. (Pintura, de Ana Maria Godinho, no catálogo da exposição)

quinta-feira, janeiro 22, 2009




Sonhos inertes em tempo estático
Vagueando pelas escadas estreitas
Do bairro antigo
que consigo está


Cheio de recordações de anteriores momentos
gravados em mosaicos deteriorados
pelo tempo

Esse mesmo tempo que abraçou
o momento como que se
da solidão se tratasse

Dessas sombras, desses momentos



L. Miguel Marques F. V.


Debaixo do Bulcão poezine
Número 1 e meio - Almada, Janeiro 1997

terça-feira, janeiro 20, 2009





Mil léguas de distância percorreste
em mil espelhos enfrentaste a imagem
de que fugias, mas que em tua alma vias,

mil cores que te abraçavam,
que em mil danças te lançavam
contra mil lobos lutavas,
mil vidas tu tiravas.

Sobre mil mares navegaste
em mil mundos procuraste
as mil faces que tu vestiste
sobre a face que não viste.

Em mil sonhos que não sonhaste
foi-se a vida que perdeste.




António Boieiro

Debaixo do Bulcão poezine
Número 1,5 - Almada, Janeiro 1997

domingo, janeiro 18, 2009


ÓCIO - Destino com inércia agravada

GRAVATA - Símbolo do ócio filho da puta

PARAGAY - Gay paranormal que desvia machos latinos aparentemente normais

PARAANORMAL - Ser com tendências anormais ou seja: não quero saber detesto quem sabe, e fodo todos os filhos da puta que me quiserem dar algum tipo de conhecimento.


Esta consulta de dados tem direitos de autor e foda-se se tentares reproduzir esta merda fodo-te até à 5ª geração.

Com respeito de um colega formado em literacia e outras artes escondidas e refundidas devido a alguns cravas.




Debaixo do Bulcão poezine
Número 16 - Almada, Janeiro 2002

sexta-feira, janeiro 16, 2009


Respiro o último cigarro e escuto
o golpe desferido pelo vento bruto
que me alegra a alma pelo sadismo
com que tortura a pobre máquina, rainha do consumismo

É lindo sentir a felicidade
de ouvir um automóvel a implorar piedade
pelo pecado que comete, apenas por existir
O seu grito é desespero... dá-me vontade de rir

No entanto, este júbilo cruel é fugaz
é inevitável a sua metamorfose em sorriso da memória
da noite, em que o vento me deu a ver aquilo de que é capaz

Ainda assim, choro de angústia ao pensar
no ápice de humilhação sofrido pelo motor.
Não pela sua aflição, mas por tão depressa se esgotar a sua dor

João Zarco


Debaixo do Bulcão poezine
Número 1,5 - Almada, Janeiro 1997

Escrever um poema
refúgio, momentâneo
do medo permanente
A alegria do Futuro
inspira-te um
outro refúgio
menos sombrio

rmr

Debaixo do Bulcão poezine
Número 12 - Almada, Janeiro 1999

quinta-feira, janeiro 15, 2009




As mãos erguidas ao céu
São as pombas da liberdade
Ferro operário trabalhado
Pelo sangue quente da humanidade
Vento que em ti ondeia
A esperança conquistada
És tempo real vivido
Terra sempre amada.


Luís Palma

Debaixo do Bulcão poezine
Número 16 - Almada, Janeiro 2002

(foto de António Vitorino - Almada, 2006)

sexta-feira, janeiro 09, 2009

Tu, Eu e Ele


Não havia árvores no seu vocabulário
não havia flores
No seu vocabulário não havia pássaros
Sabia apenas o que lhe tinham ensinado
a matar os pássaros primeiro
e matou os pássaros
a odiar a lua em seguida
e odiou a lua
a ter coração de pedra
e teve um coração de pedra
E depois a gritar:
"Viva este!"
"Abaixo aquele!"
"Morra"

Não havia árvores no seu vocabulário
No seu vocabulário não havia
tu e eu
porque tinha que matar-nos
Ele sabia apenas
o que lhe tinham ensinado
a matar-nos
a ti e a mim

Mu‘in Bsisu

(1927-84) - Poeta e dramaturgo palestiniano

in: Pequena Antologia da Poesia Palestiniana Contemporânea
Selecção e tradução de Albano Martins
colecção pequeno formato - Edições ASA

Mu‘in Bsisu nasce em Gaza, na Palestina, em 1927, numa família cristã. Estuda jornalismo na Universidade Americana do Cairo.
É preso pela sua militância comunista por diversas vezes.
Ensina árabe no Iraque e em Gaza até ao final de 1967. Redactor do maior jornal egípcio Al-Ahram, até 1970. No Líbano até 1982, colabora com o poeta e amigo Mahmud Darwish. Morre exilado em Londres em 1984.
Desde 1952 publicou várias colectâneas de poesia, incluindo Filastin fi al-qalb ("Palestina no coração", 1965). No teatro distinguiu-se com o drama Shamshun wa Dalila ("Sansão e Dalila"), representada pela primeira vez no Cairo em 1971.

terça-feira, janeiro 06, 2009

Mensagem de Ano Novo de Sua Excelência o Senhor Director do Debaixo do Bulcão poezine


Camaradas e amigos, poetas e poetisas, portuguesas e portugueses, gentes da lusofonia, leitores, compinchas, visitantes deste blogue, e todos os outros:

Neste novo ano de 2009, regresso ao laborioso laboratório da poesia. Mas venho com sentimentos contraditórios.

Por um lado, alegria e confiança no futuro: afinal, já lá vão 12 anos desde que este projecto (desculpem lá, mas ainda não me habituei a escrever segundo as novas regras do Acordo Ortográfico) poético nasceu - e continua de boa saúde, sempre com novos autores em cada nova edição (e aproveito o ensejo para felicitar os recentes colaboradores - tal como os "antigos", os que me ajudaram e incentivaram ao longo de todo este tempo).

Contudo, neste regresso ao trabalho, não posso deixar de exprimir alguma tristeza (quiçá amargura...) por constatar que, durante a minha ausência, andaram por aqui uns meninos mal comportados a fazer asneira.

Eu explico.

Este blogue teve sempre as suas caixas de comentários abertas a todos os que nele quisessem exprimir a sua opinião. Sempre acreditei que o público a que este espaço se destina é composto por pessoas responsáveis e crescidinhas. E era, até há pouco tempo.

Entretanto, este vosso amigo foi passar o fim de ano a Moura (cidade portuguesa do distrito de Beja, na mítica margem esquerda do Guadiana), para participar, com pessoal do Teatro Fórum de Moura e com uma mão-cheia de bons amigos (e excelentes pessoas, perdoem-me a parcialidade) numa privadíssima sessão de Poesia Olímpica Sem Piscina.


Ora, nessas terras alentejanas este vosso humilde mestre da teia não estava para se preocupar com blogues nem com outras coisas aparentadas. Era mesmo álcool e poesia - ou, se preferirem frase mais literata, numa mão sempre a garrafa e debaixo do outro braço o caderno de manuscritos.

Acontece que, já neste ano de 2009, sou surpreendido com comentários insultuosos e despropositados, colocados por anónimos, sobre um jornalista que comentou um artigo do nosso colaborador Artur Vaz sobre a importância das bibliotecas públicas.

Vejamos se explico melhor: o artigo, de Artur Vaz, era sobre leitura e bibliotecas (artigo sobre política cultural, portanto); esse artigo foi comentado (na caixa de comentários, que é - era... - absolutamente aberta à participação de todos) por um jornalista chamado Joaquim Maneta Alhinho; e algumas pessoas que, pelos vistos, não gostam desse jornalista, resolveram insultá-lo, na mesma caixa de comentários (sem se darem ao trabalho de considerar que este é um blogue de divulgação literária - e que, se querem fazer "peixeirada", por acaso até têm muito por onde escolher, por essa blogosfera, sem precisarem de vir aqui - e mesmo sem, pelo menos, fazer uma referência ao artigo em questão). Mais: insultaram sem assinar - o que me parece cobardia... mas quem sou eu para classificar tais atitudes, não é? E (pior ainda?), um dos comentários até apareceu assinado, embora o suposto "autor" do dito (ou seja, a pessoa cujo nome aparecia na "assinatura" do comentário) me tenha, posteriormente, enviado um e-mail, afirmando e garantido que não tinha nada a ver com o assunto (e não tenho razões para duvidar dessa afirmação) e pedido que identificasse o IP do autor do comentário (algo que não posso fazer - mas, se pudesse, até o faria).

O que resultou de tudo isto?

Resultou que, a partir de agora, os comentários aos atrigos deste blogue estão sujeitos a novas regras. Antes, eram abertos a todos, e não eram previamente visados. Passam a ser apenas para quem esteja identificado, e só serão publicados depois de eu os ler.

Isto parece censura prévia? Pois parece. E é!

Mas a culpa é de quem? Minha? Ou de quem não se sabe comportar democraticamente (para não dizer apenas comportar de maneira decente)?

Eu gosto de dizer as minhas larachas e de beber os meus copos, e de dizer as minhas larachas depois de beber os meus copos - como os prezados amigos e visitantes já devem ter entendido. Mas não ando a disparatar alarvemente. Nem admito que outros venham para aqui fazê-lo. Como já devem ter entendido.

Tenham um bom ano de 2009!

António Vitorino
(Excelentíssimo Director do Debaixo do Bulcão poezine)