sexta-feira, setembro 14, 2007


Tempo

O tempo segue o sol depois a turva
opacidade e o escuro: e depois?
Ó minha avozinha que enterraram
há muito tempo (em quarenta e dois)
num dia de chuva!

Ao tempo segue o nada e o som do vento
varre sem nome (e perto) o estendal
Ó minha avozinha que hás-de ir
em breve para a terra enquanto a cal
me come por dentro!

O grande fio a prumo do que existe
oscila no vazio a íngreme rua
Ó meus mortos todos concentrados
a vigiar sem olhos à luz nua
a minha vida triste!

Perto contudo o incerto movimento
dos risos luminosos que tu dás
Ó minha infância morta: tu ali estavas
sentada nesse círculo onde estás
num vestígio cinzento!

Quem sou? Seja eu o fado antigo
da casa velha e o bafio na escada
Ó minha vida antiga a descer
a eterna rampa larga e apertada
sozinha comigo!

Que mais? Vegetação no fosso e pó
onde uma música vem a subir
Ó minha vida triste eu vou chorar
esta esquina que ando a perseguir
no vento de ser só!

António José Coutinho

(Estas duas versões do poema “Tempo” foram entregues pelo autor, António José Coutinho, ao editor do Debaixo do Bulcão poezine, António Vitorino - algures em Almada, durante as noites de boémia da década passada. Nunca foram publicadas na edição em papel. Portanto, aproveitamos para as divulgar agora, no reinício deste blogue, após as férias de Verão...)

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