A notícia apanhou-nos de surpresa, muito embora soubéssemos que o seu estado de saúde se vinha a agravar-se, resultado de doença oncológica, que há muitos anos padecia.
Figura sempre inquieta e questionadora, Cesariny foi um dos mais vincados dinamizadores da prática surrealista em Portugal. Integrando o Grupo Surrealista de Lisboa, em 1947, Mário Cesariny foi uma das muitas personalidades da qual fizemos investigação oral, quando preparávamos o livro “Natália Correia – Escritora do Amor e da Liberdade”.
Recebidos na sua casa em Lisboa, Rua Basílio Teles, no dia 10 de Novembro de 2002, pudemos contactar com alguém que, para nós, era somente um referência impar cultural, através da sua poesia e da pintura.
Quantas vezes, o vimos a passear pelo paredão da Costa de Caparica e ficámos sem coragem para abordá-lo, pois a nossa timidez era bem mais forte.
Contudo, a razão e motivo de escrever sobre Natália Correia aguçou-nos os impulsos, marcando um encontro, o qual viria a colmatar algo que há muito desejávamos, privar de perto com alguém que era, acima de tudo, um sonhador e um génio.
Recebidos por si e por sua irmã Henriette, falou-nos da sua formação artística, incluindo o curso da Escola de Artes Decorativas António Arroio e os seus estudos na área de música, com Fernando Lopes Graça. Mais tarde, viria a frequentar a Academia de La Grande Chaumiè-re, em Paris, cidade onde viria a conhecer André Breton, responsável pela sua paixão e amor pelo surrealismo.
Considerando que «O Homem só será livre quando tiver destruído toda e qualquer espécie de ditadura religioso-política ou político-religiosa e quando for capaz de existir sem limites», Mário Cesariny proclamava-se de uma forma activa e profunda «capitão da sua própria alma».
Questionado sobre Natália Correia testemunhou-nos que «...conhecia-a numa ida ao Teatro de São Carlos. Confesso que fiquei perplexo perante a sua beleza. A sensualidade dos lábios e o olhar encantou-me, direi mesmo que estava perante uma estátua de mármore, como lhe chamavam quando queriam definir o seu perfil de mulher fascinante». Como recordo a sua ternura quando falava da amizade que com ela partilhou «não pertencendo ao movimento surrealista, ela própria viria a ser influenciada na sua obra poética», diria Cesariny realçando principalmente esse facto nos primeiros livros de Natália.
Recordando os serões culturais na casa da escritora, Mário Cesariny desvendou-nos que foi numa dessas tertúlias que foi lançado, em 1955, o seu livro de poesia “Manual de Prestidigitação”.
Possuidor de uma personalidade muito forte o fascínio do artista encantou-nos, fazendo com que aquele memorável encontro ficasse para nós registado com algo de muito profundo. No dia seguinte, enviamos por carta o seu depoimento, de modo a que o mesmo fosse por si revisto, antes de ser publicado. Dias depois, Cesariny telefona-nos dizendo: «Que muito grato ficaria, se fosse divulgado o teor do nosso encontro, só depois da sua morte…».
Perplexos ficámos perante tal pedido, mas respeitámos o seu desejo, razão pela qual surge este apontamento.
Morreu Mário Cesariny de Vasconcelos – o homem fechou os olhos ao mundo, mas o mundo não mais fechará os olhos à obra que nos legou.
ARTUR VAZ
Figura sempre inquieta e questionadora, Cesariny foi um dos mais vincados dinamizadores da prática surrealista em Portugal. Integrando o Grupo Surrealista de Lisboa, em 1947, Mário Cesariny foi uma das muitas personalidades da qual fizemos investigação oral, quando preparávamos o livro “Natália Correia – Escritora do Amor e da Liberdade”.
Recebidos na sua casa em Lisboa, Rua Basílio Teles, no dia 10 de Novembro de 2002, pudemos contactar com alguém que, para nós, era somente um referência impar cultural, através da sua poesia e da pintura.
Quantas vezes, o vimos a passear pelo paredão da Costa de Caparica e ficámos sem coragem para abordá-lo, pois a nossa timidez era bem mais forte.
Contudo, a razão e motivo de escrever sobre Natália Correia aguçou-nos os impulsos, marcando um encontro, o qual viria a colmatar algo que há muito desejávamos, privar de perto com alguém que era, acima de tudo, um sonhador e um génio.
Recebidos por si e por sua irmã Henriette, falou-nos da sua formação artística, incluindo o curso da Escola de Artes Decorativas António Arroio e os seus estudos na área de música, com Fernando Lopes Graça. Mais tarde, viria a frequentar a Academia de La Grande Chaumiè-re, em Paris, cidade onde viria a conhecer André Breton, responsável pela sua paixão e amor pelo surrealismo.
Considerando que «O Homem só será livre quando tiver destruído toda e qualquer espécie de ditadura religioso-política ou político-religiosa e quando for capaz de existir sem limites», Mário Cesariny proclamava-se de uma forma activa e profunda «capitão da sua própria alma».
Questionado sobre Natália Correia testemunhou-nos que «...conhecia-a numa ida ao Teatro de São Carlos. Confesso que fiquei perplexo perante a sua beleza. A sensualidade dos lábios e o olhar encantou-me, direi mesmo que estava perante uma estátua de mármore, como lhe chamavam quando queriam definir o seu perfil de mulher fascinante». Como recordo a sua ternura quando falava da amizade que com ela partilhou «não pertencendo ao movimento surrealista, ela própria viria a ser influenciada na sua obra poética», diria Cesariny realçando principalmente esse facto nos primeiros livros de Natália.
Recordando os serões culturais na casa da escritora, Mário Cesariny desvendou-nos que foi numa dessas tertúlias que foi lançado, em 1955, o seu livro de poesia “Manual de Prestidigitação”.
Possuidor de uma personalidade muito forte o fascínio do artista encantou-nos, fazendo com que aquele memorável encontro ficasse para nós registado com algo de muito profundo. No dia seguinte, enviamos por carta o seu depoimento, de modo a que o mesmo fosse por si revisto, antes de ser publicado. Dias depois, Cesariny telefona-nos dizendo: «Que muito grato ficaria, se fosse divulgado o teor do nosso encontro, só depois da sua morte…».
Perplexos ficámos perante tal pedido, mas respeitámos o seu desejo, razão pela qual surge este apontamento.
Morreu Mário Cesariny de Vasconcelos – o homem fechou os olhos ao mundo, mas o mundo não mais fechará os olhos à obra que nos legou.
ARTUR VAZ
2 comentários:
Extrardinário texto sobre um dos maiores poetas portugueses. Parabens ao autor do Blog pela publicação desta boa crónica de Artur Vaz. São estes homens da escrita que não se deixam vergar, perante certos "fazedores de cultura" que nos dão força para continuar.
Força Artur Vaz. O concelho de Almada tem orgulho nos tens escritos, são verdadeiros pergaminhos de mestria.
Lídia Soaras - Trafaria
São as palavras e a sua capacidade de se apropriarem do mundo e de permitirem que nos apropriemos também dos nossos mundos, dos nossos dias.
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