domingo, junho 27, 2010

Futebol


Ernesto possante, dito A Locomotiva,
Era o pulmão da sua equipa.
João Pato, jogador franzino e rápido,
Era O Grande Artista da equipa adversária.
O Locomotiva era limpo e leal
Mesmo quando entrava, como se diz, a matar.
João Pato era também o matador da equipa
Mesmo quando falhava de baliza escancarada.
Naquela tarde, a meio campo,
Perante escassas centenas de espectadores,
Corria o veloz Pato com a bola dominada
No seu drible estonteante,
Vai daí, Ernesto, o Possante, entrou com tudo,
Como se costuma dizer.
Em câmara lenta, observamos o patudo pé
do limpo e leal Possante em riste
Na fraca perninha do teórico Pato.
A televisão não nos dá o som quebradiço
Da tíbia e do perónio,
Mas vá lá que ainda conseguimos ver
A fractura exposta e o sangue.
A televisão mostra-nos que o futebol
Não passa de um jogo de bárbaros.
Os gajos da maca, que até nem gostavam de futebol
E estavam a contar estúpidas anedotas de louras,
Só se aperceberam do acidente
Quando ouviram o Pato berrar:
Ai ai ai que esta besta partiu-me a perna.
E lá levaram o Pato para fora do estádio.
Dizem os regulamentos
Que nenhum jogador pode ficar a sangrar dentro do campo.


Miki Sorraia

Debaixo do Bulcão poezine
Número 26 - Almada, Junho de 2004

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