domingo, março 24, 2013

Viagem sem regresso marcado

Pela janela avisto a asa do avião…
Viajo leve, errante,
Com pouco mais do que um ponto de interrogação.
Assumindo a minha nova condição de emigrante,
Vejo-me obrigado
A deixar para trás o coração,
Impossível de ser acomodado
Na bagagem que seguiu para o porão…
Abandono a herança de um país pessimista,
Que por culpa própria abdicou do direito ao progresso
E que agora se despede de mim com um sorriso trocista
Deixando na minha mão um bilhete sem regresso…
Em tempos foste porto seguro em mar aberto,
Terra prometida para sonhos imaginados…
Hoje em dia és apenas um deserto
Onde jazem os feitos dos teus antepassados…
Deixaste-te enfeitiçar pela inebriante fragrância
Que exala da cadeira do poder,
E sucumbiste à voraz ganância
De secar a teta que te dava de beber…
Os abutres que te comeram o recheio
São os mesmos que agora de papo cheio,
Vêm bicar os olhos a quem tenta
Rapar os ossos da carcaça fedorenta…
E os descendentes do povo que conquistou o mar
Embarcam agora em nova epopeia.
Mas já não é sede de descoberta o que trazem no olhar…
O que os move é a apenas a ideia
De, com um mínimo de decência,
Poder para si próprios reclamar
O direito a algo mais do que a mera sobrevivência…
Uma necessidade tão orgânica e tão real
Como as lágrimas que me escorrem de forma incessante
Quando pela janela do avião vejo a ficar cada mais distante
O país que deixo para trás, Portugal…



André Fonseca


Debaixo do Bulcão poezine
nº41 -  março 2013



1 comentário:

G.Seco disse...

grande poeta! Parabéns *