“Acordei. Era de manhã cedo. Dei um longo bocejo, e no fim, soltei um som sumido. Abri as pálpebras lentamente, pestanejei duas ou três vezes e ergui o corpo. Bocejei novamente, desta vez sem som, escutando apenas o silêncio do quarto em que estava. Espreguicei-me com vagar, esticando todos os membros do meu corpo. Nenhum ficou ao acaso, não vá dar-se o caso de ficar algum por estalar. É que precisava de toda a mobilidade do corpo para continuar... Olhei em redor, primeiro para a esquerda e depois para a direita. Num ímpeto, saltei da cama. Voltei a olhar, desta vez para ver se estava lá alguém. Estranhamente estava só. Andei então calmamente até à casa de banho e, satisfeitas as necessidades, voltei a olhar em redor. Ninguém. Achei estranho e emiti um som, daqueles que esperam por um retorno. Nada. Se calhar ela tinha saído, para ir buscar o leite fresco à mercearia da esquina e, depois de dois dedos de conversa com o Sr. Vicente, lembrou-se de que ainda tinha de ir à loja de congelados comprar peixe. Deve ter sido isso: ela estava só atrasada. Entretanto, espreguicei-me uma outra vez e caminhei até à cozinha. A casa estava estranhamente escura. As persianas continuavam fechadas, embora, num dia normal, ela já as tivesse subido. Na cozinha procurei comida. Não vi os restos de ontem nem as novidades da manhã. Com fome, caminhei até à sala, tentando perceber o que se passava naquela casa, naquele dia, naquela manhã. Entrei na divisão e foi então que a vi. Ela estava deitada no chão, imóvel. Toquei-lhe no rosto; estava frio, gélido. No peito não vi qualquer movimento. Ela não respirava. Lambi-lhe o rosto e lacrimejei.”
O gato faminto mordeu, cuidadosamente, o corpo da mulher. Mordeu-lhe os dedos, as bochecas, a barriga, as coxas. E, enquanto o sangue escorria, o gato comia. Assim se alimentou até alguém ter dado pela falta da mulher.
Ângela Ribeiro
Debaixo do Bulcão poezine
Número 35 - Almada, Março 2009
2 comentários:
Olá Antonio, que bom ver seu blog em atividade!
Ai, este conto da Ângela é ótimo para o gênero de ficção fantástica de terror.
Beijos
Pois é, Madalena. Eu também fiquei surpreendido. Não conhecia esta faceta mais "gótica" da Ângela...
Beijos
(E espero que tudo esteja a correr pelo melhor)
AV
Enviar um comentário