Quando eu era pequenino, havia uma publicação de histórias em quadrinhos que se apresentava como "a revista dos jovens dos 7 aos 77 anos" - era, passe a publicidade, o Tintin.
Ora, isso acontecia quando eu era pequenino. Nos anos setenta (do século passado)!
Nesse tempo, em Portugal, andava toda a gente muito ocupada com o futuro do país. Ninguém se preocupava muito com a poesia - a menos que a poesia fosse, como a cantiga, uma arma!
E a poesia era, de facto, uma arma: estava na rua; era mais acção e menos palavra!
Foi preciso esperar pelos anos 80 - por esses anos 80 que, contrariamente ao mito hodierno, não foram de euforia, mas sim de desemprego, despedimentos colectivos e outras tristezas que, citando (algo abusivamente) a grande Sophia de Mello Breyner Andresen, "não podem sequer ser bem descritas" - para que a poesia "renascesse". Foi então, a meio dessa "mítica" década, que começaram a proliferar as publicações de poesia em formato fanzineiro. Muito inspirados - e apoiados - pelo não menos mítico DN-Jovem (suplemento literário do Diário de Notícias), apareceram fanzines literários, muitos e diversificados. A memória já me vai falhando, mas, ainda assim, consigo lembrar-me de dois deles: o Ara Gris e o Fragas (este último publicado no Seixal por um grupo chamado Projecto Poros).
Foram-se os anos 80, o pessoal dedicou-se a coisas mais próprias de gente adulta, e eu fiquei, como sempre, sem vontade de fazer coisas de gente adulta - logo, sem mais contacto com "o pessoal". Com esse "pessoal"...
Por sorte, abriu nessa altura - em 1989 - o Ponto de Encontro (a também mítica Casa Municipal da Juventude de Cacilhas). E foi lá que, entre muitas noitadas, muitos copos, muita música, teatro e outras actividades mais ou menos artísticas e culturais, conheci as pessoas que me incentivaram a criar o Debaixo do Bulcão.
Em primeiro lugar, o Tó Boieiro (o tal que, nos intervalos dos recitais que fazia, se queixava que "a poesia está morta, ninguém publica, e ainda dizem que somos um país de poetas!"). Depois, o José João Mota. E também o Pedro Morgado, que organizava a Feira do Fanzine.
Já em 1996, lá me decidi a falar com eles e realizar o projecto Debaixo do Bulcão. (A propósito, e para que ninguém se melindre: estou muito grato a todos os que me ajudaram a arrancar com este projecto e a mantê-lo - mas não os vou nomear, por falta de espaço. Ok?).
Debaixo do Bulcão que, num primeiro momento, pretendia publicar, em edição alternativa, textos de jovens poetas. Mas que, a partir do segundo momento (ou do terceiro, sei lá), entendeu que o importante era publicar, em edição alternativa, quem não o conseguia fazer pelos meios convencionais - jovem ou menos jovem, isso deixou de interessar.
Como é bom de ver, o Debaixo do Bulcão assume-se como herdeiro da literatura fanzineira portuguesa dos anos 80. E, durante quase uma década em que praticamente deixaram de se fazer estas edições alternativas de poesia, resistiu, publicou algumas centenas de autores, e fez a ponte para o que, em Almada, havia de vir depois, e para o que existe agora.
No princípio deste século 21, Ermelinda Toscano publicou a antologia Alma(da) Nossa Terra, na qual incluiu uma boa dose de poemas editados anteriormente no Debaixo do Bulcão. E essa antologia foi o ponto de partida para o projecto Poetas Almadenses
(http://poetas-almadenses.blogspot.com/) - que alcançou, com muito mérito, patamares nunca antes acessíveis a este projecto bulcânico.
Já em 2009 surge o movimento Jovens Poetas Vadios, com um projecto mais ambicioso (http://jovenspoetasvadios.blogspot.com/). Fico muito contente: as ideias que eles defendem agradam-me muito, identifico-me facilmente com as suas ambições e, por isso mesmo, desejo-lhes os maiores sucessos.
Temos pois, nesta cidade de Almada, três projectos empenhados na divulgação de poesia: Debaixo do Bulcão, Poetas Almadenses e Jovens Poetas Vadios (por ordem de entrada em cena). Orgulhemo-nos disso!
O Debaixo do Bulcão promete continuar a contribuir para divulgar a poesia que anda por aí, perdida, esquecida ou simplesmente envergonhada. E, cumprindo a sua actual vocação de publicar jovens e menos jovens, tem, na presente edição, poetas dos 14 aos 81 anos!
Como em quase todas as edições anteriores, há novidades, regressos e continuidade. Novidades: três autores que, embora com obra publicada noutros locais, colaboram pela primeira vez com este poezine. São eles, João Rato (do blogue reidosleittoes.blogspot.com), Maneta Alhinho, (jornalista - até há pouco tempo meu colega na redacção do Notícias da Zona - e guionista em séries de televisão) e Artur Vaz (investigador de História local, dirigente da associação cultural Ecos D'Art e colaborador assíduo de órgãos de comunicação social - que, aliás, conheci em 1995, no quinzenário Sul Expresso, onde ambos escrevíamos, e que enviou para esta edição o primeiro poema que publicou, em 1970, no Jornal de Almada).
Outra novidade, e não menor: Marina Soares, uma das criadoras do inovador grafismo da revista P'Almada, aceitou o desafio de fazer uma edição como esta, em formato assumidamente fanzineiro, impressa em fotocópia. O resultado é este. Mais palavras para quê?
Só se for para dizer que - embora já não seja novidade - orgulho-me, também, de ter nesta edição mais um poema de Alexandre Castanheira (homem que tem dedicado parte substancial da sua actividade à descoberta de jovens talentos - e eu que o diga, pois foi ele, o Castanheira, quem, no final de uma sessão de poesia, em 1981, me "descobriu" e incentivou a continuar).
Tenho muito gosto em ver, nas páginas deste poezine, todos os textos de todos os poetas que nele quiseram participar.
Agradeço a Ermelinda Toscano (dos Poetas Almadenses e da SCALA - Sociedade Cultural de Artes e Letras de Almada) o inestimável apoio que tem dado a estas edições.
Mas tenho a maior satisfação por ter, neste número, mais um texto de uma jovem autora, de 14 anos. Não digo quem é (descubram vocês). Mas garanto-vos que é por isto mesmo que o Debaixo do Bulcão continua a fazer sentido. Não já por ser (como foi em 1996) a voz dos jovens que querem publicar mas não têm onde - mas porque (em 2009) é um poezine que publica (desculpem lá, mas não resisto a reafirmá-lo) autores dos 14 aos 81 anos!
E é isso mesmo que vamos continuar a fazer!
António Vitorino
(editor)
Colaboram nesta edição: Marina Soares (grafismo), Ângela Ribeiro, Artur Vaz, António Vitorino, BB Pásion, Alexandre Castanheira, Eloísa Menezes Pereira, Helga Rodrigues, João Rato, Maneta Alhinho, Luís Milheiro, Marta Tavares, Miguel Nuno, Minda, Mário Lisboa Duarte, Pedro Alves Fernandes, Vang, Violeta (textos).
2 comentários:
Bem vindo.
Ainda bem que podemos contar com o regresso do bulcão virtual.
abraço
ângela
Obrigado, Angela!
Espero que, daqui a uns dias, deixe de ser apenas virtual.
Quando tiver exemplares em papel para distribuir, aviso.
AV
Enviar um comentário