Passei hoje na cidade do costume com outros olhos. Na minha cidade.
Olhos de ver. Parei. Hoje vi a minha cidade. Pus-me com olhos de ver
na cidade que levo no coração para todo o lado. No coração. A minha
cidade, que tem alma e que pisca o olho a Lisboa.
Sentei-me no chão das estórias da história que passou por ali.
Estórias que pintaram a Alma das cores que cheiram a Tejo. E sonhei.
Acordou-me a inveja da miuda que saltava à corda na rua. Saltava à
corda, com a alma cheia de sorrisos despreocupados. Ia ficar ali todas
as horas do mundo porque não sabia ver horas. E só tinha as horas
todas do mundo. Todas as horas do mundo para ela, naquela cidade de
ruas estreitas. Todas as horas do mundo para saltar à corda.
As luzes acenderam-se e a noite foi trazendo o vento. Vim ver a rua
e senti saudades. Saudades de quando um choro gritado era imperativo
e panaceia, porque alguém resolvia que o fosse ali, logo. Saudades do
beijinho da mãe, que fazia a dor passar.
Saudades da boca lambuzada de chocolates e gelado. Saudades de não
saber ver as horas. Saudades repetidas.
E de mais gelados e de mais chocolate. Saudades de brincar, na
calçada, onde esfolava os joelhos, até não haver sol. Saudades dos
amigos imaginários com quem nunca mais falei. Saudades de mim antes
de ser este eu de agora.
Saudades de me encontrar, perdida na minha minha Almada. Que tem
cheiro de poesia e de coisas a que os miúdos pequenos brincam.
Melancolia esquisita, de quem vai embora mas fica sempre, sempre, com
uma fotografia bem dobrada dentro do peito.
Joana Fernandes
parvoicesminhas.blogspot.com
(“Texto Palmadense”
publicado na P’almada, revista editada pela Câmara Municipal de Almada.
Edição de Novembro 2007)
terça-feira, outubro 30, 2007
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