sábado, maio 10, 2008

Dor occulta




Alta noite quando a lua

No azul distante fluctua,

Com seu cortejo de estrellas,


Minh’alma vôa perdida

A amplidão indefinida,

E confia no seio d’ellas,


Como queixas religiosas

As suas mágoas saudosas,

As suas íntimas dôres.


E quando a aurora apparece,

Esmaltando a loira mésse,

Beijando o calix das flôres


A terra toda orvalhada,

Diz aos raios da alvorada

Que enxuguem o pranto seu,


Que dos olhos das estrelas

Cahiram lágrimas bellas

Toda a noite, e que no ceu


Alguma pena roçou,

Ou magoa estranha pairou

Que fez tombar taes aljofres...


E as estrellas recolhidas

Commentam, sós, doloridas,

Minh’alma, tudo o que soffres...



Albertina Paraizo
Jornal do Domingo, 19 de Junho de 1887
(poema reproduzido conforme a ortografia portuguesa
da época)

2 comentários:

Debaixo do Bulcão disse...

Opinião pessoal do editor deste blogue:

Eu cá, de faCto (*), não sou contra o acordo ortográfico.

Tenho, aliás, a percePção (**) de que a língua é dinâmica e tende sempre para a oralidade.

Tenho dito.

António Vitorino

(*) lê-se em português de Portugal

(**) escreve-se em português de Portugal, mas lê-se em português do Brasil

Madalena Barranco disse...

António, ah, esses poemas escritos em português antigo têm um charme especial e remonta a um tempo mais romântico. Adorei a poetisa que conseguiu "recolher as estrelas" em alguns versinhos. Beijos.